No último dia 6, quando dezembro anunciava-se e o clima de fim de ano começava a dominar os ares, Sabrina Carpenter, cantora e compositora que ganhou grande destaque em 2024 com o seu disco Short n' Sweet e performances marcadas por sensualidade e descontração, estreou na Netflix o especial de Natal A Nonsense Christmas with Sabrina Carpenter. Mesmo não sendo parte do público-alvo de seu trabalho, confesso que fiquei cativado pela ideia de uma artista pop em ascensão apostar em um filme musical natalino tão teatral, lúdico e deliciosamente despretensioso.
Com participações especiais de nomes como Chappell Roan, Kali Uchis, Tyla e até de atores como Sean Astin e Cara Delevingne, A Nonsense Christmas resgata a magia nostálgica de um Natal nevado e vibrante, que remete aos clássicos dos anos 90, como Esqueceram de Mim e Grinch. Em cenários aconchegantes e coloridos que evocam sitcoms e peças musicais, Sabrina Carpenter nos lembra que, em tempos tão acelerados, revisitar universos lúdicos e simples pode ser um remédio necessário para o cinismo que domina a atualidade.
Porém, Carpenter realmente é um ponto fora da curva quando o assunto é o Natal. Em 2023, ela já havia lançado o EP fruitcake, composto por seis faixas completamente inspiradas pela data. Mas por que, então, tão poucos artistas exploram esse tipo de produção hoje em dia? Em um mundo onde a seriedade frequentemente supera o lúdico, especiais dedicados ao Natal e outras festividades parecem estar cada vez mais fora de alcance, relegados ao passado.
Entre as décadas de 1960 e 1970, no entanto, esses especiais eram verdadeiros eventos, reunindo famílias em frente à TV para assistir a produções que mesclavam música, teatro e humor. Trabalhos icônicos como A Bing Crosby Christmas e The Judy Garland Christmas Show estabeleceram um padrão com cenários acolhedores, convidados ilustres e um convite franco à celebração do espírito natalino. Hoje, porém, fica a questão: o que aconteceu com essa tradição tão encantadora?
Natal tropical
É importante destacar que a visão de um Natal com neve, lareiras e meias penduradas cheias de doces é, inegavelmente, uma idealização estadunidense, que ao longo do tempo foi amplamente exportada e difundida ao redor do mundo. Embora essa imagem não se alinhe ao calor tropical que caracteriza o dezembro brasileiro, ela ainda exerce uma grande influência cultural por aqui e em diversos outros países. Essa universalização, embora encantadora para muitos, também levanta questões sobre hegemonização cultural e a valorização de narrativas locais, que muitas vezes são suprimidas em prol desse ideal importado.
Por mais que não exista uma grande quantidade de especiais de Natal produzidos no Brasil, o país tem a sua contribuição, especialmente no formato televisivo. O mais icônico é, sem dúvidas, o Especial de Fim de Ano do Roberto Carlos, que teve a sua estreia em 1974 na TV Globo e se consolidou como uma tradição anual, permanecendo viva até hoje. Esse espetáculo mescla performances musicais, mensagens de esperança e participações de artistas renomados. Além disso, a Globo também produz especiais temáticos, como novelas natalinas e episódios comemorativos de programas populares, sempre transmitindo mensagens de união e celebração.
Entretanto, são raros os exemplos de produções nesse estilo provenientes da música pop e jovem brasileira, e esse tipo de temática parece estar cada vez mais distante da nova geração do país. Como resultado, infelizmente, essas produções acabam apenas nas mãos dos grandes veículos de mídia.
Celebração e publicidade
A consolidação da estética natalina moderna tem as suas raízes em um fenômeno publicitário que venceu fronteiras culturais e geográficas, redefinindo tradições no meio do caminho. Instituições como a Coca-Cola desempenharam um papel crucial nesse processo, ao reinventar o Papai Noel, que anteriormente era uma figura austera e diversa, transformando-o em um símbolo universal de celebração, aconchego e alegria.
A partir da década de 1930, a figura do “bom velhinho” ganhou uma nova roupagem, com o icônico traje vermelho e branco alinhado às cores da Coca-Cola, graças a campanhas publicitárias que tinham um papel muito maior do que a mera promoção de um produto. Essas iniciativas moldaram um ideal de Natal que tornaria-se universalmente reconhecível, especialmente no ocidente. Através delas, elementos como pinheiros reluzentes, presentes coloridos, lareiras aconchegantes e mesas fartas tornaram-se ícones, unificando a estética natalina e reforçando a sua associação com momentos de calor humano e celebração.
Paralelamente, a música natalina surgiu como um poderoso veículo de celebração e tradição, fortalecendo o senso de comunidade ao redor da data. Clássicos como “White Christmas”, de Bing Crosby, encapsularam o espírito da época, mas também estabeleceram um padrão emocional que definiu como o Natal deveria "soar". Integradas frequentemente a produções audiovisuais, essas canções ajudaram a consolidar a estética natalina como uma experiência profundamente reconfortante.
Muitas dessas produções, porém, superaram o seu propósito comercial e transformaram-se em marcos culturais duradouros. White Christmas, por exemplo, além de ser a canção mais vendida de todos os tempos até hoje, também é um emblema de nostalgia e conforto, especialmente em períodos de adversidade – sua melodia e letra evocam um desejo universal por paz e simplicidade que, surpreendentemente, ainda é capaz de conectar-se com o público.
I'm dreaming of a white Christmas
With every Christmas card I write
May your days be merry and bright
And may all your Christmases be white
Essa identidade também foi enriquecida por outros grandes artistas, como Judy Garland em The Judy Garland Christmas Show, que mesclou as celebrações natalinas com uma sensibilidade teatral e emocional, criando um vínculo íntimo com o público. Frank Sinatra, por sua vez, personificou o charme e a sofisticação do espírito natalino em álbuns temáticos, enquanto Elvis Presley, em Elvis’ Christmas Album, injetou uma dose de rebeldia e modernidade à música de Natal, ampliando o seu apelo e conectando-a a novas gerações de ouvintes.
Entre os anos de 1980 e 1990, artistas como Wham!, Céline Dion, Paul McCartney e Mariah Carey revitalizaram o gênero, conferindo ao som uma nova energia com “Last Christmas”, “O Holy Night”, "All I Want for Christmas Is You" e muitas outras. Essa geração, que rapidamente compôs diversos clássicos do pop moderno, uniu elementos tradicionais e contemporâneos em faixas que conseguem ser ao mesmo tempo românticas, nostálgicas e provocativas, demonstrando que o espírito natalino pode ser reinventado sem se distanciar de suas raízes.
Introspecção natalina
Com a virada dos anos 2000 e, principalmente, ao longo da década de 2010, o aspecto mais simples, lúdico e divertido das músicas de Natal começou a ceder espaço para uma nova geração de artistas que revisitaram esses clássicos sob perspectivas mais introspectivas e complexas. Nomes como Phoebe Bridgers, Lucy Dacus e Laufey são exemplos brilhantes desse movimento. Em suas mãos, as canções natalinas ganharam uma nova roupagem, ainda romântica, mas profundamente melancólica, quase como uma resposta ao Natal alegre e colorido de outrora.
Laufey, por exemplo, lançou o delicado EP A Very Laufey Holiday, onde a sua fusão característica de jazz clássico e influências modernas transforma músicas de Natal em experiências quase cinematográficas. O EP inclui faixas como "The Christmas Waltz" e "Let It Snow!", mas a verdadeira joia está na original "Love to Keep Me Warm", que carrega a marca de Laufey: instrumentais elegantes, vocais suaves e uma interpretação que parece evocar a nostalgia de um inverno fantasioso. É um trabalho que equilibra a doçura tradicional das festas com uma melancolia refinada, refletindo um Natal mais intimista e acolhedor.
Winter's upon us, so won't you stay?
With me from Christmas to New Year's Day
Don't leave me alone (I won't)
Let's light a fire and let it snow
Phoebe Bridgers segue por um caminho semelhante, mas com uma abordagem mais crua e emocional no seu EP So Much Wine. Entre as faixas, um dos destaques é o cover da música título, originalmente da dupla The Handsome Family. Bridgers, com o seu vocal etéreo e produção minimalista, transforma a faixa em um canto doloroso de saudade e solidão. O EP também inclui colaborações com nomes como Paul Mescal e Fiona Apple, que ajudam a tecer um trabalho que mistura o Natal com reflexões sobre perda e desconexão — uma interpretação brutalmente honesta das festas de fim de ano.
Ainda assim, há artistas que continuam a abraçar a simplicidade divertida das músicas natalinas de décadas passadas. Nomes como Ariana Grande, Ed Sheeran e Kelly Clarkson mantêm vivas essas imagens clássicas, mesmo que suas produções sejam mais discretas. Eles recriam, com leveza, charme e modernidade, a magia do Natal tradicional, tentando resgatar um olhar nostálgico para símbolos que hoje já não carregam o mesmo fascínio universal.
Um milagre de Natal
A visão sobre o Natal, suas músicas e representações mudou significativamente ao longo das décadas, mas o espírito que impulsiona essas produções – paixão, comunidade e conexão – permanece vivo, ainda que ressignificado. Seja através de interpretações melancólicas, que exploram a profundidade emocional das festas, ou produções otimistas e lúdicas, que celebram a simplicidade, o Natal continua a ser uma época que une pessoas e inspira narrativas criativas.
Valorizar essas histórias, independentemente do tom, é essencial. O simples e o "brega" do Natal, com suas luzes cintilantes e exageros afetivos, funcionam como uma janela para tempos mais serenos e esperançosos. Eles nos lembram que sempre existirá espaço para o encanto e a magia, seja nas músicas que aquecem o coração ou nos gestos que celebram a união. Afinal, o Natal, em todas as suas formas, é um convite para nos reconectarmos com o que há de mais humano e sincero em nós.