A confusão sensorial da juventude: Chococorn and the Sugarcanes
Da casa dos amigos ao estúdio profissional
Um fim de tarde ensolarado em um campo verdejante de primavera, o canto das cigarras ao fundo e uma piada ruim no ar, a infância despede-se aos poucos. Enquanto o rolo compressor da vida adulta avança sem parar, o que fica na memória é a simplicidade — uma partida bem jogada com amigos, o sabor de um doce da festa da igreja, as tentativas de flerte que deram errado. Tudo parece bobo mas, ao mesmo tempo, parecem ser as melhores coisas da vida.
Uma amálgama de melancolia e inocência impulsiona a banda Chococorn and the Sugarcanes, que surgiu no final de 2021 em Santa Bárbara d'Oeste, São Paulo. O grupo formou-se inicialmente para apresentar-se em uma festa de Halloween, no entanto, a energia contagiante e a química entre Alexandre Luz (bateria), Filipe Bacchin (guitarra base), Pedro Guerreiro (guitarra solo) e Pietro Sartori (baixo) foi tão marcante, que os amigos de infância decidiram permanecer juntos, tocando e produzindo.
Em seguida, não demorou muito para a banda lançar suas primeiras músicas autorais, inicialmente no Soundcloud e depois no Spotify. O primeiro single do grupo, "Nem Eu", estabeleceu boa parte da abordagem que a Chococorn teria dali em diante. Além de explorar uma reinterpretação do midwest emo e do pop punk, a banda também dedicou-se a letras íntimas, abordando temas como amizade, paixões e inseguranças tipicamente adolescentes, mas com notável maturidade e bom humor.
Repetindo no meu ouvido
Como eu era parecido
Você me odeia na prática
E sai com um técnico de informática
Chocomilho e as canas-de-açúcar
Apesar da simplicidade e da relatabilidade dos temas abordados nas músicas da banda, é inegável que alguém de fora pode estranhar o nome e a estética do grupo. Fundamentada nas vivências de seus integrantes, a Chococorn apresenta uma imensa amálgama de ideias e gostos — fotos sensíveis adornadas por rabiscos delicados, imagens de gatinhos e referências a filmes e animes, tudo une-se de maneira divertida, mas não de forma aleatória. Em entrevista à Equipe Repeteco, contam:
FILIPE BACCHIN: Quem faz a maioria dessa parte visual da Chococorn sou eu, mas a gente também tem a ajuda de muita gente. Nossa amiga Sophia já fez muita coisa para banda, a capa do álbum que está para sair foi feita pela Bia, que é incrível também. Mas assim, as referências visuais da Chococorn são as mesmas que a gente usa no som, e não é algo específico, a gente gosta de muita coisa, então quando eu e os meninos pensamos nisso, a gente só quer fazer algo que seja legal, nós não estamos tentando atingir algo. E eu sinto que muita coisa na banda é assim, não precisa ser parecido com nada, a gente só precisa gostar.
PIETRO SARTORI: E esclarecendo a questão do nome, ele veio de um festival cristão de Santa Bárbara chamado Chocomilho, mas na época eu ainda não participava da banda. E Sugarcanes vem do fato de que lá também tem muita produção de cana-de-açúcar, tá ligado? Então é essa coisa bem regional, mas também um reflexo da nossa ingenuidade na época, porque quando começamos a gente tinha uns 16 ou 17 anos.
FB: A gente nunca chegou a pensar quem é o Chococorn e quem são os Sugarcanes, mas eu gosto da teoria de que o Chococorn somos nós quatro e os Sugarcanes são os nossos amigos.
A amizade, como mencionado anteriormente, é essencial na identidade da Chococorn como banda e surge como um tema recorrente em suas faixas. No entanto, ao longo do tempo, isso pareceu expandir-se à medida que os membros da banda deixaram Santa Bárbara d'Oeste e espalharam-se por São Paulo. Lidando agora com a distância e os desafios da vida adulta, eles parecem compreender esses sentimentos de forma mais clara, sensível e sincera, cristalizando essa experiência em seu primeiro álbum de estúdio, que está com o lançamento previsto para 17/05/2024.
Siamês
As composições de Siamês tiveram início no final de 2022 e foram gravadas em meados de 2023, ainda no estúdio caseiro improvisado da banda. No final do ano, surgiu a oportunidade de aprimorar diversos aspectos dessas músicas e produzir o álbum com a colaboração de Tiago Camargo, membro da banda Vicio.
O álbum foi concebido durante o período de crescimento dos quatro membros da banda, que estão prestes a entrar na fase jovem adulta. O álbum aborda imagens de carros, viagens, metrôs e uma variedade de símbolos que não apenas refletem mudança e distância, mas também a sobrecarga sensorial de se encontrar em cidades de diferentes proporções, culturas e experiências.


Além disso, o projeto também olha muito para si mesmo e para a amizade entre os membros do grupo, destacando que a mudança é intrínseca à saudade. Sobre isso, comentam:
PS: “Siamês” é uma música que a gente fez, inclusive ela está no Soundcloud, e ela saiu junto com a nossa primeira leva de músicas que eram Nem Eu, “Os Fantasmas (No Meu Copo de Refrigerante)”, “Escovas de Dente” e “Mamãe Mandou Eu Dormir Mais Cedo”, e de cara ela foi uma das músicas mais tristes que a gente já fez. Hoje Siamês é uma música do álbum chamada “Derby Solto”, só que a gente não quis esquecer de tudo o que ela significou para a gente. Minha namorada sempre chorava ouvindo, tá ligado? E ela representa muito do nosso processo até aqui, então foi algo que perdurou.
ALEXANDRE LUZ: A gente cresceu juntos e temos muitas experiências em comum que refletem o nosso processo artístico, então Siamês é como se a gente fosse uma pessoa só, e eu acho esse conceito muito bonito, tá ligado? Porque a gente consegue ter essa conexão mesmo estando distantes.
Ao longo das 11 faixas do álbum, a Chococorn explora uma ampla gama de conceitos e sonoridades, navegando por diversos estilos e influências. Embora o midwest emo seja uma clara inspiração, o grupo o incorpora e o adapta à sua própria realidade, mesclando as típicas guitarras melódicas do gênero com elementos brasileiros. Mas eles não param por aí, e essa fusão de ideias resulta em uma experiência refrescante que só poderia vir de quatro garotos encantados com a música. Contam:
AL: As músicas vieram muito do que a gente estava ouvindo no momento, sabe? A gente está escrevendo esse álbum desde 2022, e durante esse tempo a gente passou por várias fases, e isso transpareceu no que a gente estava produzindo. Mas, além disso, em todas as músicas a gente tentou fazer algo que honrasse nossas inspirações, mas que também seguisse uma linha mais brasileira, que pudesse se inspirar em coisas que acontecem aqui, de forma musical e temática. Até porque não faria sentido para mim a gente centrar o nosso álbum só no midwest emo, que é algo puramente gringo. Tentamos fazer algo mais centrado no regional, e também músicas que fossem bem diferentes entre si.
PS: Cada música acabou indo para uma direção. Por exemplo, as primeiras músicas que a gente decidiu que iriam para o álbum foram “Dom Bosco S.A” e “Carro de Lata”, que foram compostas quase que no mesmo dia. E essas são músicas muito inspiradas pelo Polara, tá ligado? No sentido de serem faixas mais de rock mesmo, apesar de que depois a gente levou Carro de Lata mais para o dream pop, uma pegada Terno Rei e tal. Cada coisa acaba indo para um lado.
FB: Se a gente tivesse feito um álbum inspirado só por midwest emo, não seria verdadeiro, porque essa não é a nossa realidade, tá ligado? A nossa realidade é composta por vários gêneros e várias coisas, então não seria natural. É muito mais genuíno quando a gente traz um pouco de tudo.
Caminhão de Mudança
Com o sucesso da banda e o crescimento de suas produções autorais, a Chococorn logo expandiu seus horizontes para além das festas de Halloween. Prestes a começarem um turnê, o grupo já percorreu — e ainda percorrerá — diversas cidades de São Paulo, incluindo Campinas, Americana, Marília e a capital, apresentando-se em Santos como uma última parada. Além disso, também irão realizar um show em Curitiba no dia 23/05, no 92 Graus, ao lado das já conhecidas Rise, Rise Forks e da banda gaúcha Quem é Você Alice?.
Entretanto, como mencionado anteriormente, os meninos da Chococorn não têm enfrentado viagens de ônibus apenas para fazer barulho em outras cidades, mas também por conta dos compromissos da vida adulta. Agora distantes, a desorientação geográfica tornou-se um tema recorrente em suas vidas, refletindo até mesmo na interpretação de Siamês. Dizem:
FB: Tudo fica mais difícil com a distância, sabe? A gente passou pelos estágios finais de mixagem e masterização do álbum separados, e apesar do material ter ficado ótimo, teria sido muito mais legal se a gente tivesse feito isso juntos, presencialmente. E a logística dos shows também fica complicada com a distância — às vezes a gente vai tocar a meia hora de Santa Bárbara, mas para mim acaba sendo uma viagem de seis horas e meia até chegar em Campinas, sabe? E não sou só eu, todo mundo está com umas agendas super quebradas. Mas é o que Pietro falou essa semana com a gente, estamos vivendo o sonho e esse é o melhor cansaço do mundo, tá ligado? Cansa, mas eu amo.
PS: Parece que tudo faz mais sentido agora, sabe? Por muito tempo, vi as letras de Siamês como sendo puramente românticas, amorosas, mas nos últimos meses comecei a enxergar o álbum de forma completamente diferente. Ele passou a ser muito mais sobre amizade, sobre distância mesmo. A última música do álbum, "O Tusca é Nosso!", foi a única que fizemos separados, e ela é justamente sobre como, independentemente de onde estivermos, vamos estar juntos. Então acho muito bonito como algumas coisas parecem se cruzar justamente nesse momento, como se só agora tivéssemos percebido. É um sentimento melancólico, mas bonito e nostálgico também, e quando eu escuto o álbum hoje, tudo bate mais forte.
No meio desse turbilhão de novidades e encantos, vivendo o sonho da banda entre amigos, destaca-se a idade dos membros da Chococorn. São meninos, alguns recém-ingressos na faculdade, repletos de inspiração e produzindo um som de qualidade excepcional. A partir disso, pode-se imaginar que na cena da música underground exista uma barreira para esses jovens músicos vindos do interior, no entanto, não é exatamente assim. Comentam:
PS: No primeiro ano da banda existia uma dificuldade de acesso, tá ligado? Uma molecada fazendo música não podia entrar em todo lugar, além de que era difícil para gente conseguir os equipamentos também.
AL: Mas também não é todo mundo que leva a gente a sério.
PS: Pois é, a gente acaba passando por dois núcleos, né? Às vezes a gente vai tocar em algum lugar e a galera está lá para ver a gente, e rola muito respeito. Mas também, principalmente no interior, a gente arranja shows em lugares que o pessoal que frequenta não nos conhece, então acaba que tem uma galera que enxerga a gente muito como crianças. Não que haja algum problema nisso, mas às vezes acaba o show e a gente escuta “isso aí, molecada, deixem o rock vivo, vocês ainda vão melhorar muito”. Eu entendo o apoio, mas o tratamento é diferente, tá ligado? Mas no máximo é isso, no geral é super tranquilo.
AL: E no fim a gente enxerga ser jovem e morar no interior como temáticas da banda.
Emo caipira
Entre o midwest emo, a música brasileira, influências regionais, experiências coletivas e cultura pop, a Chococorn forjou uma identidade única, que parece ter emergido de um baú repleto de CDs, revistas, mangás, DVDs e álbuns de figurinhas. De forma descontraída em suas redes sociais, a banda incorpora essas temáticas e as consolida como algo novo, algo próprio que abrange desde Neon Genesis Evangelion até os traços culturais de Santa Bárbara d'Oeste. Explicam:
PS: A gente é muito nerd, então a gente vê tudo e coloca de tudo nas músicas, tá ligado?
FB: É um ponto interessante porque a gente consome essas coisas, mas a gente também vive essas coisas, né? O próprio Evangelion, por exemplo, todo mundo gosta e quando você assiste é todo um acontecimento na sua vida, é muito sentimento, e eventualmente isso respinga nas músicas. Eu escrevo sobre as coisas que eu vivo, mas a maneira como eu interpreto as coisas que eu vivo é muito influenciada pelas coisas que eu gosto e consumo, então a Chococorn é produto de inúmeras coisas.
AL: No fim são obras que te ajudam a interpretar a vida, tá ligado? Por exemplo, “Kaworu” é uma música do álbum, mas também é o nome de um personagem de Evangelion, e na obra o Kaworu foi feito com o propósito de amar incondicionalmente, e eu relaciono isso muito com o Caru do Magnólia, meu namorado. Enfim, a gente acaba encontrando e fazendo essas relações.
Para além dessa salada de referências e interesses, a Chococorn encabeça o movimento do "emo caipira" — ou “caipiracore” — uma adaptação do midwest emo para a realidade do interior brasileiro. O termo, que inicialmente surgiu como uma piada, transformou-se em um conceito genuíno que, por mais absurdo que possa parecer, é a forma mais sincera de descrever a essência da banda. Explicam:
AL: De início o emo caipira surgiu como uma piada que traduzia o midwest emo, mas não faria sentido a gente se apropriar de um gênero musical que não conversa com a nossa realidade, sabe? Então esse conceito surgiu naturalmente, como uma forma de criar uma autoestima regional, porque desde que a gente se vê como banda nós estamos sob a sombra gigantesca de São Paulo. A gente queria criar uma estética que falasse diretamente com as pessoas que estavam ao nosso redor, e que trouxesse importância para a região. Além disso, o emo caipira também tem muito a ver com o fato de que a gente vai lá e faz as nossas músicas do jeito que é possível, tá ligado? Uma brisa de “faça você mesmo”, o importante é fazer, criar e se movimentar.
PS: Quando você vem do interior ou de capitais menores, existe um sentimento de estar distante de tudo que está acontecendo, sabe? Como se nada importante acontecesse na sua cidade, então para quem é do interior é sempre sobre ir “tentar a vida” em outro lugar. E começar alguma coisa no interior é muito delicado, você tem que encontrar uma cena que te apoie, e nem sempre vai dar certo. Então é muito sobre isso que o Ale falou mesmo.
FB: A galera pergunta o que define ser emo caipira, e eu sinto que não tem nada que define de verdade, sabe? Para ser emo caipira basta querer, é só colar com a gente, estamos no corre juntos e é isso aí.
AL: É criar um pertencimento onde antes não tinha, unir as pessoas.
A espetacular fuga
O que inicialmente surgiu como uma brincadeira de Halloween logo transformou-se em algo belo, grandioso. Diante de uma banda tão jovem e vibrante, as expectativas são altas. É de se esperar inovação, experimentação, mas talvez apenas seja necessário manter o foco naquilo que fez a Chococorn dar certo desde o início: a amizade. Comentam:
PS: A gente já gravou duas músicas para depois, mas só o tempo dirá qual vai ser o próximo álbum da Chococorn depois de Siamês, eu não faço ideia para qual direção a gente pode seguir. Mas no geral estamos muito otimistas, com muitos shows planejados para lugares diferentes, então é tudo muito legal.
AL: No fim, estamos sentados sobre muitas coisas que a gente nunca imaginou estar, tanto em questões artísticas, legais e de público mesmo, nunca pensamos que estaríamos onde estamos agora. A única perspectiva de futuro é nos divertirmos para caralho, curtirmos essa experiência, continuarmos juntos e, no futuro, lembrarmos dessa epifania bizarra. Mas também queremos muito trazer essa cultura de bandas para a galera mais nova que a gente, mostrando para eles que é possível.
FB: A gente pensa pouquíssimo no futuro distante porque o presente está muito divertido, é de longe o melhor momento da banda e de nossas vidas. A gente pensa em um futuro breve, mas o agora está tão legal que foda-se o futuro, sabe? Eu gosto disso.
PS: É muito legal olhar para trás e ver que a gente lançou nossa primeira música sem saber quase nada, e mesmo assim a gente passou o recado de que você consegue, tá ligado? Sem falar de um jeito orgulhoso, mas a gente inspira, a gente conseguiu vir de um lugar muito simples e fazer dar certo, por mais difícil que tenha sido.
Agora, os meninos preparam-se para o lançamento de Siamês, que será acompanhado pelo videoclipe da faixa Dom Bosco S.A, planejado para estrear cinco dias após o lançamento do álbum. Além disso, têm shows programados para maio e uma turnê pensada para julho ao lado de uma banda misteriosa que, nas palavras de Ale, é "foda demais".
Em conclusão, a Chococorn é o retrato vívido e descontraído de uma juventude que diverte-se muito com o que faz, provando que é na simplicidade das tardes após a escola e nas noites de domingo, com uma dose adequada de encanto e despreocupação, que é possível criar algo verdadeiramente extraordinário.