A Enorme Perda de Tempo de Sophia Chablau: melodrama e filosofia no rock nacional
Repeteco, remember, é coisa do tipo.
Tensionando as normas do rock nacional em uma fusão de referências que estendem-se de Velvet Underground a Mutantes, a banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo vem encantando com sua barulheira e experimentalismo. Formada em 2019 na sopa de estilos da cena independente de São Paulo, o grupo expressa revolta e sensualidade, passando pelo amor e também pela solidão, com um sentimentalismo que oscila entre o sarcasmo e a sinceridade — em músicas marcadas por uma textura esquisita, desesperada e encantadora.
Certo, mas olhando para além de substantivos e adjetivos, o que exatamente significa essa enorme perda de tempo? De acordo com a vocalista Sophia Chablau em entrevista, todos deveriam ter o direito de perder seu tempo com aquilo que amam, pois viver é perder tempo e, para ela, não há desperdício de tempo maior do que ir a um show de rock. Essas dualidades surgem também na música, em faixas que mesclam a sensibilidade e poesia da MPB, com a ferocidade do rock psicodélico.
O nome foi concebido por Vicente Tassara, guitarrista da banda, que também conta com Téo Serson no baixo e Theo Cecato na bateria, e, apesar de sua juventude, o grupo demonstra uma enorme maturidade em sua produção musical. Os quatro se reuniram pela primeira vez de forma completamente repentina, mas desde o início foi como se estivessem destinados a tocar juntos. Em entrevista, Vicente compartilha:
“A gente era uma banda que tinha tocado um show, a brisa era tocar Rock triste, meio absurdo. E isso era a ‘maior perda de tempo’, depois de uma aula de filosofia falando sobre o Adorno, isso fez sentido pra mim. Quando eu conheci os meninos, esses ensaios seriam esse espaço pra perda de tempo, ócio criativo, algo que é produtivo, mas improdutivo. Começou chamando Música do Esquecimento e depois Uma Enorme Perda de Tempo.”
Álbuns e dualidade


Para não perder a oportunidade de citar Adorno, a arte é uma expressão altamente sensível que surge da interação entre o espírito e a realidade, manifestando-se como uma forma de cristalização desse processo. E em dois álbuns profundamente pessoais, Sophia Chablau explora uma odisseia de prazeres, angústias e anseios, buscando decifrar a origem e o significado de cada um deles.
Em seu álbum de estreia homônimo produzido por Ana Frango Elétrico, a banda debate uma ampla gama de temas com muita descontração, extraindo diversão e poesia da cena em que estão inseridos. No entanto, em músicas como "Fora Do Meu Quarto" e "Se Você", mergulham também em reflexões mais intimistas, expondo uma certa melancolia que permeia suas suficiências e identidades.
Se você
Entendesse o que eu digo
O que eu choro
Meu amor, o que eu grito
Se você Entendesse o que eu sou
Eu tenho certeza
Cê não ia ficar comigo
Apesar disso, Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo é um álbum enérgico que explora diversos gênereos, da bossa nova ao bom e velho rock pauleira, em uma amálgama que, por mais inusitada que pareça, é completamente encantadora. Em sua principal faixa, "Delícia/Luxúria", a banda aborda o tema do sexo com sinceridade e leveza, oferecendo um retrato autêntico sobre desejo, relacionamentos e a repressão de impulsos, temas que ecoam ao longo de outras músicas do grupo.
Me resta o pecado
Se você não quer também não posso fazer nada por nós
Mas se quer
E não há nada que contenha que segure esse tesão
Minha vertigem, minha mágoa
Minha desculpa, meu resto de drão
O segundo álbum de estúdio da banda, Música do Esquecimento, foi lançado em 6 de setembro de 2023, mais uma vez pelo Selo RISCO. Neste trabalho, o grupo mergulha de vez em letras que exploram seus próprios sentimentos e experiências, apresentando músicas mais contemplativas, como "Embaraço total" e "Qualquer canção", em contraste com faixas que navegam por mares psicodélicos, como "Quem vai apagar a luz", com participação de Negro Leo, e "Baby míssil".
Em entrevista, a banda chegou a expressar seu receio em tocar músicas mais calmas ao vivo, por não ter certeza de como o público reagiria. Sobre isso, Téo Serson comenta:
“Como o primeiro disco é mais explosivo e eufórico, os shows tinham um clima catártico e agitado, que era muito divertido. O segundo disco, mesmo com seus hits explosivos, acaba indo para uma atmosfera mais intimista, experimental e melancólica. A gente esquece que tem muitas maneiras de emocionar as pessoas, e nem todas têm a ver com gritar e pular. Às vezes parar, ouvir e sentir pode ser tão ou mais forte”.
O álbum não foi apenas bem recebido pelo público, mas também recebeu elogios da crítica especializada. A faixa "Segredo" foi indicada na categoria de Rock do Ano no Prêmio Multishow de 2023, em meio a gigantes da música brasileira. Esse reconhecimento foi essencial para projetar Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo para o centro desse enorme palco que é rock, nacional e internacionalmente, visto que a banda se apresentará no Primavera Sound Barcelona 2024.
A verdade é que, apesar de suas inúmeras influências e inspirações, a banda conseguiu criar um som único e completamente original, destacando-se de tudo ao seu redor justamente por ter a malícia necessária para entender o que compõe esse cenário. Agora consolidados na cena, o grupo parece encerrar um ciclo, tornando-se referência para uma nova geração de jovens artistas.
Basement Cultural
No sábado anterior a publicação dessa matéria, a banda realizou um show sold-out no Basement Cultural, em Curitiba. A banda, apesar de contusões e problemas médicos, realiza uma turnê por diversas cidades do Brasil, em apresentações marcadas pela interação com o público e muita gritaria.
Sob o calor intenso, a noite começou com uma apresentação intimista da banda curitibana Terraplana, experiente e muito conhecida na cidade. Contudo, foi com o show de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo que a casa transformou-se em um organismo vivo e pulsante.
Esbanjando carisma inegável e divertimento genuíno, o grupo entregou uma verdadeira festa que combinou show de luzes, bagunça, beijo na boca e lágrimas, além do bom humor e de músicas executadas com perfeição. Mesmo enfrentando o calor da noite e contratempos como o pé machucado do baterista Theo Cecato e o braço recém-operado de Sophia Chablau, a banda não apenas superou, mas encantou o público com seu repertório lindíssimo.
Tudo já pode ser
Adorno diz que nas sociedades industriais modernas, a rotina é organizada de forma rígida, onde qualquer desvio e sinal de rebeldia é visto com desconfiança. No trabalho, as pessoas dedicam suas energias a serem produtivas, enquanto nos momentos de lazer, buscam relaxar, buscam o esquecimento das pressões do dia a dia. Porém, na realidade, a liberdade continua sendo ilusória.
O que a banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo desafia é exatamente isso. E se invertêssemos a ordem? E se nos momentos de lazer fosse onde realmente criássemos coisas extraordinárias? Ou não, mesmo coisas simples com o objetivo apenas de nos divertir. É uma fuga da monotonia e do sistema que nos leva a acreditar que somos produtivos apenas quando estamos trabalhando.
É como Vicente mencionou anteriormente: é ser produtivo, mas improdutivo. É uma expressão da liberdade criativa e uma afirmação da importância de explorarmos nossos próprios sentimentos, desejos e medos, mesmo que isso seja estranho ou contraditório.
Felizmente, aqueles que têm feito isso na cena da música independente nacional têm demonstrado imensa sensibilidade, em um projeto que emana amor, tesão e vigor.
sophia chablau e uma enorme perda de tempo é com certeza um dos maiores que temos na cena br, obrigada repeteco por trazer isso de forma mais aprofundada :)
Sensacional! Fico sem palavras pra descrever o orgulho e a alegria que me dá essa revista