Hoje em dia, é quase impossível separar as nossas vidas reais das virtuais. Seja no trabalho, nos relacionamentos ou no entretenimento, a internet é uma extensão inevitável dessas esferas — acessá-la é uma parte intrínseca de quase qualquer atividade, ao ponto de ser inconcebível não se impactar por ela de alguma maneira.
A partir disso, a internet se tornou um verdadeiro caldeirão de tendências e obsessões, abrindo espaço para ideias originais em um vasto mar de conteúdo digital. No entanto, em meio a essa enxurrada de novidades, há aqueles que resgatam antigas histórias — como músicas que, lançadas em um mundo pré-internet, acabam ressurgindo de repente.
Nesse setindo, é impossível não mencionar o TikTok, que em poucos anos trouxe à tona diversas músicas de décadas passadas, como "Dreams" do Fleetwood Mac, "Running Up That Hill" de Kate Bush, “Linger”, do The Cranberries, e "When the Sun Hits" do Slowdive, que foram reinterpretadas por centenas de milhares de usuários na rede social. Claro, esses são apenas quatro exemplos em meio a incontáveis outros, no entanto, no momento em que escrevo, nenhuma faixa tem dominado as trends tanto quanto "Maps", da banda Yeah Yeah Yeahs.
Mas, na real, hoje o meu papel não é explorar os motivos que levaram Maps a voltar com tanta força aos fones de ouvido da juventude, e sim compartilhar a história por trás dessa música — até porque entre tantos vídeos de dança e gatinhos embalados pela faixa, a sua verdadeira mensagem pode passar despercebida. Porém, já aviso de antemão: essa é uma (quase) história de amor.
My angus, please stay
Antes de mais nada, é importante dar um pouco de contexto. O Yeah Yeah Yeahs não é uma dessas bandas underground que surgiram na década de 90 e desapareceram alguns anos depois. Na verdade, a banda segue ativa e relevante até hoje, tendo até vindo ao Brasil em 2023 pela terceira vez, em apresentações no Cine Joia, em São Paulo, e logo depois no festival The Town. Então, apesar de não ser tão lembrado quanto alguns de seus contemporâneos, o grupo foi um importante pioneiro do rock alternativo e segue sendo reconhecido até hoje pela sua originalidade e impacto.
Formada em Nova York na virada do século pela vocalista Karen O e o guitarrista Nick Zinner, a banda foi oficialmente batizada como Yeah Yeah Yeahs após a entrada do baterista Brian Chase. Juntos, estrearam com um EP homônimo em 2001, seguido por Machine em 2002. No entanto, o grande boom da banda veio realmente em 2003, com o lançamento de seu primeiro e mais celebrado álbum, Fever to Tell, que recebeu ótimas críticas e vendeu mais de 750.000 cópias mundialmente, tendo sido nomeado pelo The New York Times como o melhor álbum de 2003.
Porém, é inegável que ao se falar de Fever to Tell, fala-se de Maps, a faixa mais reproduzida do disco. Grande parte desse impacto é mérito da explosiva vocalista Karen O, cuja composição, estilo e presença de palco influenciaram toda uma geração de estrelas do rock e pop. Com uma entrega crua, a protagonista dessa história colocou lágrimas e paixão em seu trabalho, compondo o que é, sem dúvida, uma das canções mais românticas da história do rock.
Dizem que a faixa foi escrita em mais ou menos cinco minutos, enquanto Karen ouvia o guitarrista Nick Zinner experimentar o seu riff, que se tornaria um dos mais icônicos da banda. A canção, minimalista e carregada de emoção, expressa uma direta declaração de amor com o refrão "Wait, they don't love you like I love you". No videoclipe, seguindo essa mesma ideia, Karen aparece em um show de talentos escolar, e conforme canta, a câmera aproxima-se de seu rosto, e no ápice do solo distorcido de Zinner, ela cai em lágrimas.
"Eram lágrimas reais. Meu namorado na época deveria ter ido à gravação, mas estava três horas atrasado, e eu estava prestes a sair para a turnê. Achei que ele nem viria, e essa era a música que eu tinha escrito para ele. No final, ele apareceu, e eu fiquei em um estado emocional verdadeiro."
Karen revelou ao WENN. O namorado em questão era Angus Andrew, o vocalista australiano da banda de pós-punk Liars. Além disso, também existem teorias de que "Maps" significa "My Angus, Please Stay", e durante os anos 2000, Yeah Yeah Yeahs e Liars realizaram algumas turnês juntos. Porém, o relacionamento entre Karen e Angus não viria a durar.
Após o lançamento do álbum em 2003, Karen e os meninos se mudaram para Los Angeles, e o seu relacionamento com Angus chegou ao fim. Hoje, ela é casada com o diretor de cinema britânico Barnaby Clay, com quem tem um filho de cinco anos, Django. Em entrevista a NME, relembra:
"Sou infinitamente interessada por essa música porque ela me parece estranha. Lembro que compô-la foi como um devaneio; simplesmente aconteceu, de forma meio espontânea e incidental."
Wait
Como dito anteriormente, a música acabou sendo um enorme sucesso. No Brasil, Maps ganhou destaque especialmente com a banda Charlie Brown Jr, quando o vocalista Chorão e a sua então esposa, Graziela Gonçalves, a escutaram pela primeira vez e foram profundamente tocados pelos versos de Karen O, estabelecendo uma conexão visceral e apaixonada com faixa. Algum tempo depois, a banda compôs a sua própria versão da canção, "Lutar Pelo Que É Meu".
“Em meio a tudo isso, a TV mostrava a apresentação do grupo americano Yeah Yeah Yeahs, cantando uma de suas músicas mais famosas, “Maps”, que tem o verso “Wait, they don’t love you like I love you”. Eu cantei isso para o Alê e ele de volta para mim. Essa canção ficou muito marcada na nossa história e desde então, entre uma música e outra, ele sempre cantarolava esse verso para mim nos shows.”
Graziela compartilha em seu livro “Se não eu, quem vai fazer você feliz? Minha história de amor com Chorão”. No fim, esse é apenas um pequeno exemplo de como o romantismo de Karen O transcende barreiras linguísticas e sonoras, conectando-se com inúmeros corações apaixonados ao redor do mundo, mesmo que o seu próprio romance não tenha vingado.
Mas, apesar do coração partido, Karen O firmou-se como um verdadeiro ícone do rock romântico. Sua carreira, repleta de sucessos, coroa a sua habilidade única de expressar vulnerabilidade e emoção, fazendo dela uma musa para os desiludidos e apaixonados. E em um mundo saturado de informações fúteis, Maps permanece como um poderoso lembrete de que sempre haverá espaço para declarações de amor e lágrimas sinceras.