O pop mainstream tem passado por significativas transformações nos últimos anos, e 2024 parece marcar um novo começo para o gênero. Sob a liderança de artistas que rejeitam o óbvio, o pop reinventa-se ao incorporar cada vez mais ousadia e experimentalismo, confrontando uma indústria que rejeita sair de sua própria zona de conforto.
Exemplos marcantes desse movimento incluem a extravagância de Chappell Roan, a mitologia de Ethel Cain e as flutuações sonoras de Olivia Rodrigo. No entanto, o nome mais impactante do momento vem diretamente da Inglaterra, sob os vocais distorcidos e metálicos de Charli XCX.
Se você esteve online nos últimos meses, é quase impossível que o viral de Charli tenha passado despercebido. Seja pelo hyperpop envolvente e marcante de BRAT, com colaborações gigantes como Lorde, Billie Eilish e Troye Sivan; pelas coreografias de "Apple", que dominaram as redes sociais; ou até mesmo pela capa verde fosforescente do álbum, que virou meme antes mesmo de seu lançamento — no fim, tudo indicava o impacto inescapável do projeto.
Lançado em junho deste ano, o sexto álbum de Charli consolidou definitivamente o seu lugar no mainstream. BRAT estreou como o álbum mais bem avaliado de 2024 no Metacritic e alcançou a 16ª posição entre os discos mais bem avaliados de todos os tempos, conquistando tanto a crítica quanto o público de forma avassaladora. No hemisfério norte, o verão foi apelidado de “brat summer”, com personalidades e artistas de diferentes nichos abraçando o conceito e fazendo ecoar a influência de Charli na indústria.


Vale destacar que Charli XCX não é uma novata na música — sua trajetória já soma mais de 10 anos, incluindo colaborações em grandes sucessos como "I Love It", com o duo sueco Icona Pop, e "Fancy", de Iggy Azalea. Porém, apesar de já ter lançado discos igualmente intrigantes, como o experimental how i’m feeling now e o popular CRASH, foi apenas com BRAT que Charli finalmente estourou a bolha que a envolvia. Mas afinal, o que fez BRAT ser esse divisor de águas?
Vícios, indie sleaze e moda
Ao longo das 15 faixas de BRAT, envolvidas em uma atmosfera intensa e futurista, Charli XCX traz à tona a contracultura. Lógico, Charli ainda é uma artista pop com interesses comerciais — e não há nada de errado nisso. No entanto, em uma indústria que muitas vezes tenta disfarçar imperfeições com músicas superficiais e apelativas, ela expõe o turbilhão de emoções que permeia a sua experiência nesse meio.
Com BRAT, Charli aborda sentimentos como luto, inveja, medo e arrependimento, criando um álbum que não tem medo de soar desconfortável, revelando uma sinceridade e fragilidade que a artista não havia explorado anteriormente. Seus defeitos, vícios, inseguranças e prazeres compõem as letras do início ao fim.
I don't wanna share this space
I don't wanna force a smile
This one girl taps my insecurities
Don't know if it's real or if I'm spiraling
A própria capa do disco, um quadrado verde-limão de baixa resolução com o título apresentado de forma desalinhada, tem muito a dizer. Em uma entrevista para a Vogue Cingapura, Charli XCX comentou que as críticas a sua abordagem surgem porque muitos fãs sentem-se "proprietários de artistas femininas", exigindo que as suas fotografias estejam nas capas de todos os seus trabalhos, como se toda cantora precisasse ser, também, uma supermodelo. Ela explicou ainda a escolha da cor, destacando como o verde saturado tem dominado a mídia e a moda recentemente:
"Eu queria usar um tom de verde ofensivo e fora de moda para desencadear a ideia de que algo está errado. Eu gostaria que questionássemos nossas expectativas da cultura pop — por que algumas coisas são consideradas boas, e outras coisas são consideradas ruins? Estou interessada nas narrativas por trás disso e quero provocar as pessoas. Não estou fazendo as coisas para ser legal."
Além disso, BRAT revive um arquétipo que parecia ter ficado no passado: as It Girls. Esse resgate se entrelaça diretamente com o estilo indie sleaze, que evoca a moda e o estilo de vida das celebridades dos anos 2010, inspirando-se no espírito do indie, do pop e do rock das décadas de 80 e 90. O resultado é um visual ousado e deliberadamente "despreocupado", que captura a essência de uma época em que a autenticidade e a irreverência eram norma.
O indie sleaze, por si só, dialoga justamente com a época em que Charli iniciava a sua carreira, imersa nas noites salpicadas por neon dos anos 2000, frequentando clubes de dança e explorando a cena eletrônica underground da Inglaterra. Graças a BRAT e também a outras referências, essa estética tem reconquistado popularidade, trazendo uma abordagem sensual que parece natural e, mais uma vez, deliberadamente despreocupada.
"BRAT é aquela garota que é um pouco bagunceira e gosta de festejar, e talvez fala algumas coisas bobas de vez em quando. Ela é honesta, direta, e um pouco volátil."
Disse em entrevista ao TikTok. No fim, BRAT convida o ouvinte a explorar a complexidade de suas emoções, revelando que a vulnerabilidade pode coexistir com a força e o estilo. O álbum é uma celebração da autenticidade em um cenário saturado de superficialidades, lembrando-nos que é perfeitamente aceitável ser mau ou esquisito de vez em quando.
Club classics
Com isso em mente, não é exagero afirmar que um dos fatores cruciais para a explosão de BRAT é, ironicamente, a nostalgia. Uma nostalgia por um tempo em que as divas pop eram figuras controversas — pessoas complexas que, mesmo no auge da fama, se permitiam ser autênticas, cometer erros e envolver-se em brigas e polêmicas. Charli não suaviza essas situações; em vez disso, ela as observa da mesma forma que você olharia para um amigo que vacila de vez em quando. O amor e a admiração ainda estão presentes, mas depois desse erro, esse amigo é, de alguma forma, uma pessoa um pouco mais complexa, experiente e intrigante.
E na real, em um pop repleto de ícones meticulosamente projetados para serem perfeitos, a acidez, sensualidade e irreverência de Charli XCX são muito bem vindas.
“It's about being really hot but like in a scary way.”
eu tô sem palavras pra esse texto! que perfeição e que destreza na escrita. lendo ele hoje, quando o dicionário Collins elegeu "brat" como a palavra do ano. que nos perdoem as básicas, mas pode carimbar que é brat! 🟩
Charli entrega tudo!!!! This ones for all my mean girlsssss