Você não precisa ser entendido de música para reconhecer o termo "música chiclete", frequentemente usado para descrever um som divertido e leve, com refrões marcantes e melodias que grudam na cabeça, fazendo você cantarolar um determinado ritmo sem nem perceber. Mas o que acontece quando essa ideia é aplicada ao contexto do rock? Bom, nesse caso, é assim que surge o punk rock bubblegum.
Surgido em meados da década de 1960, o ritmo caracteriza-se por uma estética colorida, otimista e jovial, com melodias simples e dançantes que rapidamente popularizaram-se entre os jovens e dominaram as rádios. Abordando temas leves, típicos da juventude, como brincadeiras, beijos, festas, tênis all-star, bebidas e doces, o gênero rapidamente se tornou um fenômeno responsável por impulsionar algumas das principais bandas dos anos 60 e 70.
Grupos como The Queers, Ramones e The Who adotaram a estética do bubblegum punk e atuaram como uma espécie de vanguarda para o gênero, experimentando com o ritmo e influenciando inúmeros outros músicos ao longo dos anos. No hemisfério sul, o estilo começou a se espalhar no final dos anos 90, mas foi principalmente nos anos 2000 que ganhou força e popularidade na cena underground.
É interessante observar a crescente de uma onda argentina de bubblegum com bandas como Los Posibles e Elefante de Piedra, que incorporam a estética rebelde e colorida do estilo em suas letras ácidas em espanhol. No Brasil, Estragonoff, Os Texugos, Paspalho e Mototaxi flertam com o gênero, cada um à sua maneira, a partir de diferentes intensidades e particularidades. No entanto, quando trazemos isso para a nossa praça, Curitiba, ninguém faz bubblegum punk rock de maneira tão apaixonadamente feroz quanto as Bravonas.
Bubblegum não, chicletão!
A Bravonas surgiu no final de 2022, a partir da amizade, do Rock Camp Curitiba e da paixão compartilhada de Ivy Sumini (guitarra/voz), Lisi Rauth (baixo/voz) e Gabe Salmazo (bateria/voz), que uniram-se ao redor do rock para se tornarem um dos power trios mais marcantes da cena underground de Curitiba. Juntas, cantam sobre romances, frustrações, dilemas e experiências pessoais, embaladas por melodias envolventes e vocais que combinam diversão e emoção, cativando sem perder o ritmo e a energia.
Apesar do bubblegum ser um som profundamente estadunidense, idealizado para conquistar o público acima de tudo, o que se destaca na Bravonas é sua sinceridade ao abordar temas de seu cotidiano, adaptando essas questões à realidade de Curitiba com estilo e autenticidade. Em entrevista a Equipe Repeteco, explicam:
GABE SALMAZO: Essa, na verdade, é uma influência de várias, e a gente traz isso para a nossa realidade — a gente canta em português, conta as nossas histórias, então é o que a gente escuta há muito tempo, mas com um toquinho nosso.
LISI RAUTH: No fim das contas eu considero que a gente faz um punk rock que é muito nosso. Nós conhecemos outras bandas bubblegum do Brasil que são até mais fiéis ao estilo tradicional do que a gente, e nós acabamos fugindo um pouco disso.
IVY SUMINI: Mas não deixa de ser grudento!
Em junho de 2023, lançaram um álbum homônimo com sete músicas originais, que incluem os hits "Borboleta 13", "Garota Legal" e "Namoro ou Amizade". Apesar de breve, o disco funciona como uma carta de apresentação da Bravonas, sintetizando perfeitamente a estética e a personalidade vibrante da banda ao longo de suas faixas.
Em "Metaleira da Pulp", Borboleta 13 e "Bravona", a banda ilustra um pouco da experiência feminina na cena do rock de Curitiba que, apesar da diversidade, ainda enfrenta inúmeros problemas de intolerância e preconceito. No entanto, esses desafios não as definem, e fazem questão de exaltar os prazeres e toda a diversão que envolve ter uma banda de garotas na cidade.
Outro dia fui no Pulp numa festa post-punk
Vi uma garota com a camiseta do Sabbath
Dançando bonitinha
Vou chamar pra conversar
Ficamos lado a lado sem uma palavra trocar
Dizem:
IVY SUMINI: Atualmente estamos vivendo um momento muito bom. Existem muitas outras bandas de mulheres agora, mas quando comecei a tocar há dez anos, quase não via outras garotas nos palcos — aliás, via as mesmas garotas de sempre. Hoje, temos várias bandas de punk rock e rock em geral formadas apenas por mulheres, criando e tocando músicas muito boas. Então, acredito que somos muito privilegiadas por estar vivendo esse momento em Curitiba, que hoje eu acredito que tenha mais bandas de mulheres do que São Paulo, por exemplo.
Palcos e espaços
Em 2023, a Bravonas realizou diversos shows em Curitiba e em Santa Catarina, passando por Blumenau e pela capital Florianópolis. Participaram de eventos ao lado de outras bandas de punk rock, como Dirty Grills, Le Trutas, Patada, Domperidhona e outras, que incendiaram os palcos dos bares e das casas de show que as receberam.
Destaque especial para o Rolê das Mina, realizado no Belvedere Bar em 22/03/2024, que reuniu quatro bandas compostas exclusivamente por mulheres. O evento celebrou a diversidade na música, abrindo espaço para esses grupos se apresentarem e destacando o papel das mulheres na cena independente. Contam:
LISI RAUTH: Alguns festivais da cidade acontecem por várias noites e aí tem uma “noite das mulheres”, sabe? Por que só tem uma noite para a gente tocar, enquanto todas as outras noites são para homens tocarem?
GABE SALMAZO: E tem banda pra caramba, não só aqui mas em Santa Catarina e São Paulo também, então não é falta de material, e sim falta de interesse por parte desses organizadores. […] o Rolê das Mina foi muito massa, foi organizado por mulheres e só tocou banda de mulher. A gente se sentiu em casa e foi um dos nossos melhores shows.
No domingo (07/07), as Bravonas realizaram mais um show no Belvedere Bar, dessa vez ao lado da banda Chinelada, do casal Morcegula e do solista Badke, em um evento batizado de Blitzkrieg Show. Apesar da noite chuvosa, o rock ácido e divertido das garotas aqueceu o ambiente, enchendo a casa com uma energia contagiante, esbanjando técnica e versatilidade,
Bem-vindo ao clube
Para o futuro, as Bravonas deixam claro que querem apenas se divertir, lançar mais músicas, levar o seu show para diferentes lugares e tirar uma onda. Nesse cenário, é no mínimo revoltante perceber que, em uma das cidades que mais pulsa música no país, ainda existam pessoas que subestimam o talento artístico das mulheres, quando, na realidade, são elas que mais têm movimentado a cena da cidade com eventos, projetos sociais, shows e, principalmente, música, muita música.
E no fim, são essas as coisas que ficam na memória.