Como se reinventar tendo alcançado o sucesso com tão pouca idade? Ao falar de Matheus Who, cantor, compositor e produtor carioca, essa pode ser a maior das questões. Apesar da juventude, de maneira bastante despretensiosa, Who tornou-se um ícone marcante do bedroom pop nacional, produzindo músicas profundamente intimistas, inspiradas por uma sonoridade lo-fi que flerta com uma ambientação etérea e melódica — tudo de dentro de seu quarto, quase como se estivesse brincando e experimentando com o som.
Seu primeiro disco solo, A Dobra no Espaço-Tempo, lançado em 2021, marcou o período de isolamento social de muitos jovens que se identificaram com as diversas temáticas abordadas por Matheus. Entre anseios e inseguranças, o álbum expressa uma sincera saudade dos tempos em que ele podia aproveitar a simplicidade e a inocência de momentos que, naquela ocasião, já não podiam mais ser vividos.
Entre a cativante “A Gente Vai Dançar”, o hit “Festa”, e a romântica “Kaori”, composta em homenagem à sua namorada, Matheus Who revela muitos de seus defeitos e temores, através de faixas que camuflam essas vulnerabilidades com bom humor e ritmo, em uma dinâmica musical bastante envolvente. A Dobra no Espaço-Tempo foi bem recebido tanto pela crítica como pelo público, lançando a carreira solo de Matheus e transformando-o em uma figura conhecida no cenário indie nacional e na internet.
É que às vezes eu me perco
Você sabe como é
É que às vezes eu preciso
Só de uma torta e de um café
No entanto, apesar de se imaginar que Who teria deslanchado e alcançado novos patamares com a sua música, isso não aconteceu - não por falta de talento ou inspiração, mas porque, em meio a tantas mudanças em sua vida, Matheus se viu amadurecendo como pessoa e músico. Esse processo visceral de autoconhecimento levou-o a questionar-se novamente e buscar respostas para a máxima de todo artista: "o que eu posso fazer de diferente?".
Então, após um hiato de dois anos, Matheus Who retornou aos microfones e guitarras com o lançamento de “Mais Nada”, um single tão charmoso quanto intrigante, revelando uma maturidade sonora e temática que o jovem de A Dobra no Espaço-Tempo não poderia ter alcançado. Com um álbum planejado para o final do ano e inúmeras ideias fervilhando, tivemos o privilégio de conversar com Who para decifrar sua carreira e explorar seu mais novo trabalho.
Profundamente Carmen
É importante entender que antes de se tornar Matheus Who, o músico era Matheus Costa, vocalista da banda Carmen, originária do Rio de Janeiro. Formada por Jairo Trinta na guitarra, Lucas Serra no baixo e João Vitor Alves na bateria, a Carmen lançou dois álbuns entre 2018 e 2019, conquistando uma base sólida de ouvintes e realizando diversos shows durante seus anos de atividade.
Mesclando elementos de pop rock e folk, e apostando em uma forte presença de violões em melodias dançantes, a Carmen apresentava uma sonoridade fluida que foi a origem de muitos dos experimentos e interesses musicais de Matheus Who. Em entrevista à Equipe Repeteco, conta:
MATHEUS WHO: A Carmen foi a minha primeira banda que eu levei a sério. Quando eu tinha 13, 14 anos, tive várias bandinhas de escola, e a Carmen a gente formou quando eu tinha 18 anos, com uns amigos também da escola, mas já estava todo mundo formado. Foi onde eu descobri que realmente queria fazer música. A gente começou com covers, mas eu estava muito nessa pira de querer compor, queria trazer esse lado mais autoral. Foi onde comecei a contar histórias e escrever letras - na época, me sentia mais confortável escrevendo em inglês, muito por causa do meu repertório. Apesar da banda ter durado só uns três anos, o nosso primeiro disco, Youth Culture, repercutiu legal com a galera, sabe? O nosso primeiro trabalho, o meu primeiro trabalho como compositor, já estava sendo ouvido por milhares de pessoas. Por um lado, isso é muito legal; por outro, é estranho ter tanta gente ouvindo a primeira coisa que você está fazendo.
Se o início da Carmen foi o pontapé inicial na carreira musical de Matheus, o seu fim foi o impulso que ele precisava para começar a arriscar-se em um projeto solo. Em 2019, lançou "Deeply", seu primeiro single como Matheus Who e até hoje uma de suas músicas mais ouvidas no Spotify.
Na mesma época, de forma pioneira e até inusitada, Matheus começou a usar as redes sociais, principalmente o TikTok, para divulgar seu trabalho e cativar o público. Sobre o início de seu projeto solo e sua relação com a internet, comenta:
MATHEUS WHO: É engraçado porque quando lancei "Deeply", ela não repercutiu por minha causa, e sim porque um canal aleatório de legendas no YouTube postou a música e traduziu para o português. Até hoje, esse canal tem mais visualizações do que as minhas coisas [risos]. Eu realmente comecei a usar o TikTok em 2018, quando ele recém havia surgido e ninguém dava muita atenção, mas eu curtia uma galera da gringa que estava usando. Então comecei a postar vídeos de brincadeira, no começo nem divulgava minhas músicas. Mas em 2020 e 2021, comecei a usar o TikTok de verdade, tryhardando mesmo. Teve uma época em que até fui verificado e uma música minha virou trend, foi bem legal. Só que quando minha música viralizou, comecei a ficar um pouco assustado com a proporção das coisas e tinha muita gente invadindo minha vida pessoal. Acabei sumindo um pouco, foram quase dois anos sem postar quase nada nas redes sociais - era uma ansiedade social virtual. Só fui voltar mesmo agora em 2024.
Mais Nada
Depois do sumiço, muitos jovens que escutavam Matheus Who durante a adolescência e se perguntavam por onde o músico andava foram surpreendidos com o lançamento de Mais Nada, um single encantador que revela uma faceta mais desesperançosa, adulta e irônica de Matheus. A música vem acompanhada de um videoclipe dirigido por Eduardo Monteiro, que soa muito como um sonho colorido, daqueles que não lembramos direito ao acordar.
A faixa expõem uma dinâmica de trabalho predatória que drena a energia das pessoas e aniquila seu lado criativo, afastando-as do que realmente lhes faz bem. O escritório de Matheus Who está em uma floresta que parece ter saído de um conto de fadas, seu único colega de trabalho é um peixe, e sua chefe, interpretada pela atriz e influencer Doarda, o demite no momento em que ele abraça seu lado músico - pode parecer ilógico, mas, na verdade, o trabalho e a vida adulta muitas vezes também não fazem sentido.
Para o menino que cantava majoritariamente sobre temas relacionados à adolescência, esse salto temático é, no mínimo, surpreendente. Comenta:
MATHEUS WHO: Na época de Deeply eu era bem mais novo e uma pessoa até mais irresponsável, eu acho - comigo mesmo, com a minha saúde e com as minhas relações também. Amigos falavam que eu estava sumido porque eu estava me dedicando 100% à música, e essa era uma parada que eu tinha escolhido na época. Eu queria viver aquilo, mas eu sabia que não era bom para mim. Mas de lá para cá eu amadureci muito como pessoa e como profissional. Eu aprendi a trabalhar com outras pessoas e a ter um bom convívio com elas, antes eu sentia que tinha que fazer tudo, todas as partes do projeto eram eu, e se você quer fazer tudo, você acaba não sendo bom em nada. Hoje eu moro sozinho, estou praticamente casado, tenho um cachorro, tenho mais responsabilidades, e tudo isso me ajudou a amadurecer e a parar de cantar só sobre relacionamentos amorosos e a começar a olhar para outros lados da vida.
Mais Nada antecipa um álbum programado para o final do ano, prometendo romper e subverter as expectativas do público que acompanha o Matheus Who durante esses anos todos. Em entrevista à Repeteco, Matheus revelou que muitas das faixas do disco exploram seus lados mais "obscuros", em relação a si mesmo e a própria saúde mental.
O álbum é uma obra profundamente pessoal. Na prévia disponibilizada, Matheus explora letras que questionam seu papel como músico, indivíduo e profissional, revelando sua conexão com memórias passadas, pessoas e a arte que tanto cultiva. Com guitarras oníricas, trompetes e instrumentais que mesclam influências de MPB, dream pop e rock, o disco parece ser o resultado de experiências, paixões e medos únicos, ainda que extremamente relacionáveis. É uma supernova sonora que encanta e toca. Explica:
MATHEUS WHO: Eu me permito ser muito vulnerável nas composições, nas letras e até nas escolhas dos elementos que vão entrar na música. Antes, eu era muito fechado e tinha alguns vícios de escrita e produção, sabe? Eu achava que estava sendo experimental até realmente começar a experimentar e me abrir. Nas redes sociais, eu me filtro, mas nas músicas eu me deixo ser mais aberto do que nunca. Esse álbum vai ter faixas abordando coisas que nunca abordei, e é principalmente sobre como eu sou uma pessoa completamente diferente do que eu era há três anos, enxergando o mundo de um jeito muito mais sério e esperto. Com certeza, podem esperar um Matheus mais maduro e inteligente, como pessoa e músico.
Copos e negócios
Ao longo de sua inusitada carreira, teve uma coisa que sempre acompanhou Matheus Who: a sinceridade. Sinceridade para reconhecer seus defeitos e virtudes, para expor seu lado bom e lidar com o ruim, para afastar-se quando necessário e voltar com tudo na hora certa. Acima de tudo, a sinceridade para se entender e se aprimorar, lançamento após lançamento como músico, e dia após dia como pessoa.
Agora de volta à cena, o cantor expressa sua animação para ver a reação das pessoas frente às suas mudanças e ao seu novo disco, que ainda está no forno. Além disso, está entusiasmado para voltar aos palcos, com um show planejado para agosto em Curitiba ao lado de Juia, cantora e compositora da cidade.
Basta, então, ficarmos atentos aos próximos passos desse menino que se tornou adulto através de suas músicas, na expectativa de descobrir novos lados de Matheus Who e as músicas que surgirão dessa evolução. Afinal, munido de sentimentos e solos de guitarra, dedica-se de corpo e alma a sua arte. Mas nunca em feriados.
Bom demais! Essa pausa, que foi muito boa pro Matheus, acabou virando uma nostalgia no coração de quem já o acompanhava e acredito que o público que escuta também está passando por esse amadurecimento. Acho que "mais nada" representa muito a sensação de fechamento do córtex pré-frontal hahaha
Eu, que dancei, chorei e me diverti tanto nos shows do "a dobra no espaço-tempo" mal vejo a hora de escutar o que está por vir. Estou SUPER curiosa pra ir no show do Matheus Who nessa nova era e ver no que vai dar.
M*W come to Rio please!