No final de 2019, Geovanna Fleur apresentava ao mundo seu primeiro trabalho autoral: “Amusement Park”. Através de um single com videoclipe caseiro, gravado em uma viagem com amigos, deu os primeiros passos na direção de uma carreira promissora dentro da cena independente do pop curitibano.
Agora, quase 6 anos depois, Fleur já soma algumas conquistas importantes na bagagem. Um EP — o All The Memories —, vários singles, duas apresentações lotadas no Paço da Liberdade e o título de ser a artista mais jovem até então a realizar um show do Teatro Paiol. Depois de tudo isso, hoje presenciamos a conquista mais recente: o EP Tears of Everything, que saiu nesta sexta-feira (29).
Geovanna conversou com a Repeteco antes do show de lançamento do EP, que aconteceu no último sábado (22) na Livraria da Vila, no Shopping Pátio Batel, em Curitiba. Lá, além de cantar todas as canções inéditas, nos contou, com exclusividade, suas referências, inspirações estéticas e significados por trás do EP — além de destrinchar cada uma das faixas.
Das memórias às lágrimas
Muitas coisas mudam dos 15 aos 20 anos. Quando lançou o All The Memories, seu primeiro EP, Geovanna Fleur vivia a adolescência do ensino médio, transportando às composições todas as dores e delícias dessa fase da vida.
GEOVANNA FLEUR: Durante esses cinco anos eu passei por várias fases da vida diferentes. Tipo, eu acabei o ensino médio, comecei uma faculdade, trabalhei. E, querendo ou não, são coisas que mudam muito quem a gente é como pessoa no geral. E eu acho que esse tempo também me ajudou a ter uma perspectiva um pouco mais madura das coisas. Porque, pensando agora, no All The Memories eu tinha 15 anos e um sonho, sabe?
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Agora, mais madura, percebe o primeiro EP como um relato imediato do que vivia; enquanto o Tears of Everything se coloca como uma cápsula do tempo entre os projetos.
GF: E depois de passar por tantas mudanças no geral, tipo, na vida no geral, mudei também a minha perspectiva e até o meu jeito de escrever e sobre o que eu tô escrevendo. O All The Memories era uma coisa muito sobre o meu presente, sobre o que eu tava sentindo naquele momento em específico da minha vida. E o Tears of Everything continua sendo uma cápsula do tempo, mas é o que aconteceu no meio do tempo, entre uma coisa e outra, e como as coisas mudam em cinco anos.
Um dos motivos pelo qual o EP traz essa perspectiva de vários anos é o fato de que Geovanna começou a escrevê-lo em fevereiro de 2022, acumulando experiências de todo o período, até então, nas letras.
GF: Eu passei um ano e meio só escrevendo. Sem nenhuma produção, sem nada, só eu no violão, porque eu queria acertar muito bem o jeito que essa narrativa ia ser contada. Eu passei muito, muito, muito tempo mexendo nas letras. E só depois que eu já tinha tudo isso bem definido, bem certinho, que eu passei pra produção, que durou mais ou menos, desde setembro do ano passado até março desse ano. Essa parte foi relativamente curta. Mas foi também a mais intensa, porque tudo tinha que estar muito bem encaminhado pra não atrasar o próprio lançamento.
Inspirações e referências estéticas
Nem sempre é fácil produzir uma identidade visual que complemente o conteúdo musical de determinado projeto. Hoje, há tanto para se basear que acaba ficando difícil escolher dentre as múltiplas ideias interessantes que possam surgir na concepção de um EP. Tendo isso em mente, é natural que Tears of Everything tenha passado por muitas modificações até chegar na estética que observamos. De acordo com Fleur, a ideia era fazer algo drasticamente diferente do projeto anterior.
GF: O EP passou por duas fases estéticas. No começo, ele era uma coisa super minimalista, ia ser todo preto e branco, eu só ia usar preto o tempo inteiro. E eu não sei por que, necessariamente, eu tinha pensado nisso, mas desde o começo, eu sabia que eu queria uma coisa drasticamente diferente do All The Memories. Porque eu sinto que o All The Memories tem a sua estética bem definida também — é todo aquele verdinho, azulzinho e tudo mais. Eu acho que dessa vez eu queria uma tela em branco, sabe?
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No entanto, sempre chega um momento em que as coisas se resolvem, e parecem se encaixar perfeitamente. Para Fleur, esse ponto de decisão estética surgiu ao conhecer o disco Cinema, do grupo The Marías.
GF: A estética, então foi praticamente a última coisa que eu decidi. No começo desse ano me recomendaram um álbum chamado Cinema, do The Marías, e quando eu vi a capa desse álbum — que ela tá sentada no chão, e o fundo todo vermelho com uma vinheta preta bem concentrada nela — eu fiquei... ‘Meu Deus, é isso’. Eu senti que eu precisava fazer algo que fosse forte, dramático, e não só preto e branco. E depois disso, foram páginas infinitas no Pinterest, salvando todas as fotos com fundo vermelho que apareciam na minha timeline.
A dramaticidade e intensidade do projeto ficam bem claras no clipe de “Vanity”, a primeira faixa do EP a ser apresentada ao público. Dirigido e roteirizado por ela, Fleur aproveita para dar vida às líricas extremamente visuais da composição através de uma produção sensível, criativa e, de fato, vaidosa.
GF: Eu sabia que Vanity ia ser a primeira música que tinha que ter um clipe. Tipo, era obrigatório que isso fosse algo visual. E quando eu assisti Priscila no começo do ano e eu lembro que eu saí do cinema mandando mensagem pra minha melhor amiga falando ‘nossa, a Priscila Presley adoraria Vanity’. E daí, depois que eu assisti esse filme, pensei que as duas coisas casam muito bem e queria fazer algo inspirado nisso. Então foi bem natural, eu acho que mesmo se não fosse diretamente inspirado em Priscila, teria sido algo no mesmo sentido de qualquer jeito.
Vanity
A escolha de Vanity para ser o primeiro contato do público com Tears of Everything não foi por acaso. Produzida por John Feldman, o mesmo produtor de “Cold (Right Now)”, a faixa é, possivelmente, a que mais se assemelha sonoramente com os singles antigos da artista. Fleur enxergou na familiaridade sonora somada a um horizonte lírico ainda não explorado, uma ótima porta de entrada para sua nova era.
Mas claro, dentro do contexto do EP, também há um motivo para que essa seja a canção de abertura. Caracterizada pela artista como “o começo do fim”, nada mais apropriado que seja a introdução para a história contada ao longo das faixas.
GF: De um tempo pra cá, eu percebi que esse álbum é como se fosse as fases do luto. E Vanity é 100% negação. Não existiria uma música melhor pra dizer isso, porque é um sentimento muito esquisito e muito profundo — e, ao mesmo tempo, muito feminino. Você sentir que tá perdendo algo. E você não querer aceitar que você tá perdendo essa coisa tentar fazer tudo que tá ali ao seu alcance pra manter as aparências. Mentir pra si mesma, né? Que isso ainda vai dar certo.
My baby’s been busy, a lot more than me
It hasn’t been easy to deal with l’ennui
I just wish you were here
So I'll keep you in my vanity, right next to your perfume
Honest
Essa já uma faixa conhecida aos que têm frequentado os shows da artista nos últimos tempos. Intensa, a canção se assemelha muito a “Plan A”, lançada em 2021, e foi justamente por esse motivo que Fleur decidiu começar a cantá-la ao vivo, bem antes do lançamento oficial.
GF: Ela é essa transição bem drástica da fase da negação pro choque de realidade. De tipo... ‘Ok. Não tem mais como fingir que isso tá acontecendo’. Não tem mais do que fugir. Além de aceitar que isso tá acabando, sabe?
Ao colocá-la na sequencia de Vanity, Geovanna enfatiza o contraste que complementa ambas as faixas, dando continuidade a história.
GF: Eu sabia que essas músicas iam ser em sequência. Que ia ser um... ‘Keep you in my vanity’. E logo depois... ‘Ah! Então todo esse tempo você tinha algo pra me contar’. Eu não tava inventando coisas, realmente tinha algo de errado. E daí agora você teve a coragem de ser sincera sobre isso.
So what do I call you? Where do I go?
What will happen to my seat at the table? Oh
You couldn't love me for two winters in a row
I get insufferable, you know I'm a summer girl
Picture Between Us
As redes sociais falham em traçar um retrato fiel das pessoas. Sabe a sensação de não reconhecer alguém pelas fotos? De não enxergar aquilo que costumava enxergar pessoalmente? E quando esse contato indireto via internet torna-se a única referência de uma pessoa que você costumava ver com frequência? É sobre isso que Geovanna Fleur canta em “Picture Between Us”.
GF: Essa música é muito sobre a internet. Na verdade, é sobre como a gente se sente meio possessivo de ver outras pessoas postando fotos com uma pessoa que você conhecia muito bem. É também sobre toda a comparação que vem com observar o jeito que outras pessoas tratam essa pessoa na internet, e o jeito que ela te tratava pessoalmente.
Escrita em 2022, durante um período em que a cantora se ausentou das redes sociais por cerca de nove meses, a canção mescla um vocal melancólico com acordes de piano, tornando-a na mais emotiva do EP.
I hate the picture that I have of you
When I see you through other people's eyes
They never capture your heart in its truth
All they do is lie and lie and lie
Julia
Assumidamente a faixa favorita de Geovanna Fleur, Julia é um desabafo que não chegou a conhecer seu destinatário, é uma conversa sincera que nunca aconteceu. Mas ao ver essas palavras concretizadas numa canção, o sentimento é que elas cumpriram seu papel e encontraram quem deveriam.
GF: A Júlia era uma irmã mais velha e eu também sou irmã mais velha. E, às vezes, é engraçado, porque você pensa, ‘essa pessoa não vai saber cuidar do mesmo jeito que eu sei’. Foi uma música pensando nisso, dando dicas de como cuidar de uma pessoa que eu convivi por muito tempo e agora essa missão de carinho e de cuidado vai ter que ser pra outra pessoa. Ela também virou uma música sobre irmandade, sobre querer ser amiga de alguém e a vida tirou essa oportunidade de vocês. E é sobre muitas coisas ao mesmo tempo e é uma das minhas favoritas exatamente por isso. Todo o conceito do Tears of Everything é muito bem representado nessa música. As lágrimas de tudo, de raiva, de emoção e de felicidade e de tudo que você pode sentir quando você tá se afastando de alguém, mas você sabe que é pelo melhor.
Julia, did you notice I haven't been in sight?
I had to find a way to get out of her life and
Tears of everything streaming down from my eyes
Everytime I think I had to leave her behind
Life Laughs
“Life Laughs” é um desejo projetado. A faixa alegre e descontraída, na verdade, foi uma das primeiras a serem escritas para o projeto, e foi feita num momento em que a artista estava longe de sentir a serenidade e contentamento que a canção transparece. No entanto, mesmo nascida de um anseio, soa incrivelmente autêntica e serve como uma manifestação realista de sua visão para o futuro.
GF: Ela representa muito bem como é aquele sentimento de você encontrar alguém que não via há muito tempo na rua. E você pensa, ‘nossa, olha o tanto de coisa que aconteceu desde a última vez que a gente se viu’. E, tipo, como a vida é engraçada e dá risada da gente. De como a gente se estressa pelas coisas e como tudo muda rápido. Então, é uma das mais divertidas. E eu fico muito feliz agora de poder falar que eu estou nessa posição.
And all of our friends seem to be only yours now
Playing pretend when they meet me out downtown but
What could I ever say? What could I ever do?
I'm going my own way while life laughs back at you
With You (More)
A faixa que encerra a narrativa do EP, “With You (More)”, segue a esperança da anterior, e se projeta como mais uma etapa na aceitação das adversidades da vida. Aqui, na realidade, Geovanna canta sobre as pessoas que ajudam a superar quaisquer sejam essas adversidades, delineando os momentos em que as coisas parecem começar a fazer sentido novamente.
GF: With You é o começo de seguir em frente — e você querer honrar as pessoas que estão te ajudando a seguir em frente. Eu acho que essa música é muito sobre parar de ter medo de dizer o que você sente pras pessoas. A gente precisa ser mais sinceros. E mesmo no começo do EP eu falando que eu odiava isso e até em Picture Between Us eu falava que eu nunca iria falar de amor. E aqui eu vejo que na verdade eu percebi que eu só falava isso porque eu tava muito machucada. É… With You é sobre os amigos que fazem você perceber que a vida é boa. E que qualquer coisa pode ser curada com música e amigos.
But I have decided that it all ends here
The love I've left unspoken is the love I have to give
So when you say my name or tell another joke
I won't hesitate in letting you know
That you have the brightest laughter that I've ever heard
Ser amado é ser mudado
Essa é a frase que, de acordo com Geovanna Fleur, encapsula toda essência do Tears of Everything. Ao longo das canções, a artista nos lembra que, embora a mudança seja a única constante, sentir plenamente essas transformações é algo essencial. Sem isso, a vida é sem graça. O EP, podemos dizer, é uma ode à impermanência, e uma ressignificação do que é amar e ser amado. É preciso sentir, viver as mudanças e abraçar a constante — e inescapável — fluidez das coisas.