Completamente influenciado pelos avanços tecnológicos na música, o synthpop emergiu a partir de uma fusão da atitude revolucionária de movimentos do rock com os sons sintéticos da música eletrônica. A utilização de sintetizadores e drum machines tornou-se uma característica definidora do gênero. Esses instrumentos permitiram aos artistas criar paisagens sonoras únicas e explorar novas possibilidades musicais, à medida que estreavam uma estética altamente futurista.
Mas o que, de fato, caracteriza o synthpop? Quem começou esse movimento? Quais foram as principais bandas? Qual é o legado que deixaram para a música? Tudo isso, você descobre nesse texto.
Origens primárias: o rock com sintetizadores
Nos anos 60, o rock já começava a usar da tecnologia para inovar nas criações. Vários exemplos vêm a mente, Beatles utilizando um melotron, variação antiga do sintetizador, em “Strawberry Fields Forever”; The Beach Boys incluindo o som do theremin — um dos primeiros instrumentos eletrônicos criados, tocado a partir da aproximação ou distanciamento das mãos em relação as suas antenas — em “Good Vibrations”; Ray Manzarek, do The Doors, experimentando com sintetizadores para conferir dramaticidade às canções; e, claro, Pink Floyd com os sons sintéticos da psicodelia.
No entanto, existem duas bandas da época que merecem maior destaque. The United States of America e Silver Apples foram pioneiras em usufruir da sonoridade eletrônica de forma constante, e quase única, dentro do rock.
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The United States of America, formada em Los Angeles no final dos anos 1960, foi uma das primeiras bandas a incorporar sintetizadores e experimentação eletrônica em sua música. Com uma abordagem inovadora e vanguardista, o grupo combinava elementos de rock psicodélico, música experimental e música eletrônica, criando um som revolucionário para a época. Em dezembro de 1967 a banda gravou seu primeiro e único disco, o homônimo que apresentava uma mistura de influências, desde música de coral até a conhecida eletrônica, combinada com letras políticas. Em contraste com a maioria das bandas de rock baseadas em guitarra da época, eles usavam teclados, instrumentos eletrônicos e vários processadores de áudio para criar uma sonoridade, até então, sem precedentes.
Silver Apples, originária de Nova York, também surgiu na mesma época, e seu fundador, Simeon Coxe, foi o responsável por construir um dos primeiros sintetizadores caseiros, conhecido como The Simeon. A banda combinava os sons estridentes deste instrumento com acordes de bateria — uma bateria com 50 peças, inclusive, tocada por Danny Taylor — e letras surrealistas, criando experimentações que estavam a anos-luz de qualquer coisa produzida na época, e que abririam espaço ao desenvolvimento de gêneros como o krautrock e, mais para frente, a música eletrônica. Seu álbum de estreia homônimo, lançado em 1968, é outro marco seminal na história da música experimental.
Mas, se até agora só falamos das influências da música eletrônica dentro do rock, o que fez ela tornar-se pop e, enfim, consolidar-se como synthpop? Veremos.
Quando o synth encontra o pop
O início da transição de um rock eletrônico para o que hoje conhecemos como synthpop pode ser rastreado na primeira metade dos anos 1970, especialmente no contexto europeu. Estamos falando de Brian Eno, Kraftwerk, David Bowie, Giorgio Moroder e Gary Numan, alguns dos pioneiros na experimentação com sintetizadores e eletrônicos dentro da música pop, ainda nos anos 70, influenciando diretamente o surgimento dos clássicos que conhecemos hoje em dia.
Os synths só se uniram ao pop graças às inovações de Brian Eno. Podemos voltar no tempo, para 1973, ano em que Roxy Music, lançava o disco For Your Pleasure e flexionava seu glam/art-rock para uma sonoridade mais pop e eletrônica através do talento de Eno em subverter as barreiras do teclado. Basta escutar seu solo em “Editions of You” para entender. No entanto, no mesmo ano, Eno deixa o grupo e leva suas experimentações ao álbum Here Come the Warm Jets (1974), que combina estilos glam e pop com abordagens vanguardistas. Ao longo dos anos 70, continua um aliado dos sintetizadores — e eleva isso a máxima potência com Another Green World (1975), disco clássico, que funda a música ambiente e consolida Brian Eno como percursor da eletrônica.
Enquanto a Inglaterra contava com os sintetizadores do rock progressivo de Pink Floyd, Emerson Lake & Palmer e Genesis, na Alemanha, também era possível presenciar o surgimento de um gênero dentro do rock que se apoiava fortemente na sonoridade eletrônica: o krautrock. Can, NEU!, Tangerine Dream e Kraftwerk são exemplos de bandas que se identificavam com o estilo. Esta última, em especial, foi a responsável por pavimentar o caminho do synthpop ao converter-se a um gênero musical completamente novo.
Se em seus primeiros singles, Kraftwerk apostava em uma sonoridade mais voltada ao drone music de Tangerine Dream, mas tudo muda com a chegada de Autobahn. O álbum lançado em 1974 — com destaque para a faixa título, a única não-instrumental — inova ao misturar música erudita experimental com pressupostos da indústria fonográfica e, assim, criar uma nova música pop. Esse novo pop veio a ser, em concepção estética e sociocultural, o tal synthpop que se consolidou nos anos 80. Autobahn é considerado o o primeiro disco de música eletrônica a fazer sucesso também na América do Norte.
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David Bowie, um dos ícones mais influentes da música do século XX, também teve um papel crucial na popularização da música eletrônica. Em 1977, ele lançou o álbum Low, o primeiro da chamada Trilogia de Berlim, uma série de álbuns influenciados pela sua estadia na cidade alemã e por sonoridades de bandas de krautrock, incluindo Kraftwerk.
Low foi produzido em parceria com Brian Eno e Tony Visconti e se configura como uma mistura de sons eletrônicos, experimentação vocal e letras obscuras. Faixas como "Sound and Vision" e "Be My Wife" são exemplos marcantes dessa fusão entre o experimentalismo de Eno e a sensibilidade pop de Bowie. A estética visual e conceitual do músico durante essa época também desempenhou um papel importante na concretização do synthpop. Sua persona artística, muitas vezes extravagante e futurista, contribuiu para a criação de uma imagem associada à música eletrônica, influenciando não apenas outros músicos, mas também a cultura visual da época.
Outra figura chave nesse processo foi o produtor alemão Giorgio Moroder, em especial a partir de sua colaboração com Donna Summer na faixa "I Feel Love", em 1977. Moroder ajudou a popularizar o uso de sintetizadores na música pop, mostrando como esses sons eletrônicos podiam ser cativantes e dançantes. Sua abordagem influenciou fortemente o surgimento do disco e da dance music, abrindo espaço para o synthpop. Logo após o lançamento, a canção até recebeu uma premonição de Brian Eno:
É isso, não procurem mais. Este single vai mudar o som da música eletrônica pelos próximos 15 anos.
E, de fato, mudou. Só que por muito mais tempo que Eno imaginava.
Já no fim dos 70, observamos um último grupo que viria a ser definidor da sonoridade e principalmente da estética adotada pelas bandas clássicas oitentistas. Não vou me prolongar muito, para entender basta assistir a apresentação de “Are Friends’ Electric”, de Tubeway Army, banda liderada por Gary Numan, no Top Of The Pops, principal programa musical de TV britânico da época. Os visuais e sonoridade futuristas do grupo resumem toda ideia principal do recém-nascido synthpop. A canção acabou alcançando o primeiro lugar nas paradas do Reino Unido por quatro semanas.
![Tubeway Army Tubeway Army](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F33fee167-da05-400d-8455-2ac9e0f482b4_1200x675.jpeg)
Anos 80: principais bandas
No entanto, ainda com a grande influência de seus antecessores, foi a cena musical dos anos 80 de cidades inglesas que verdadeiramente impulsionou o movimento de música pop eletrônica. Bandas como Depeche Mode, Yazoo, Pet Shop Boys, The Human League e New Order foram fundamentais para disseminar o synthpop ao redor do globo.
Emergindo nos anos 80, Depeche Mode tornou-se um ícone do synthpop com a combinação de uma sonoridade sombria, letras introspectivas e batidas eletrônicas viciantes. Faixas como “Enjoy The Silence”, "Just Can't Get Enough" e "Personal Jesus" se tornaram hinos de uma era, definindo o som e a sensibilidade do synthpop.
Yazoo, formado por Vince Clarke e Alison Moyet, trouxe uma abordagem mais minimalista e emocional para o synthpop, com Moyet fornecendo vocais poderosos e expressivos sobre os sintetizadores de Clarke — que inclusive já foi integrante de Depeche Mode e Erasure. Já os Pet Shop Boys, com a mistura carismática de pop inteligente e eletrônica sofisticada, lançaram uma série de hits atemporais que continuam sendo reconhecidos até hoje, como "West End Girls", “Always on My Mind” e "It's a Sin".
Outro destaque fica para The Human League. Com seu álbum seminal Dare, foram pioneiros na fusão de sintetizadores acessíveis com letras íntimas, como fazem em “Don’t You Want Me”, criando um som que foi tanto inovador quanto cativante para as massas. Enquanto isso, New Order, surgido das cinzas da lendária banda pós-punk Joy Division, trouxe uma abordagem única e evolutiva ao synthpop, incorporando elementos de dance e rock alternativo em sua sonoridade, resultando em sucessos como "Blue Monday" e "Bizarre Love Triangle".
Claro, poderíamos nos estender infinitamente na variedade de sucessos do absolutos do synthpop. No entanto, para poupar uma escrita repetitiva, criamos uma playlist aos interessados em conhecer ou relembrar o que há de melhor no gênero. É só clicar aqui para acessar.
Legado
Assim como suas contrapartes dos anos 80, as bandas de synthpop de hoje ainda incorporam sintetizadores e elementos eletrônicos como parte de uma paisagem sonora futurista aplicada à musica. Contudo, também trazem uma sensibilidade moderna e uma abordagem fresca para o gênero, adaptando-o, muitas vezes, ao paladar contemporâneo.
Bandas como CHVRCHES, M83, Crystal Castles, MGMT, She Wants Revenge e até The 1975 são exemplos desse ressurgimento do synthpop. Combinando batidas pulsantes de sintetizadores às letras modernas, esses artistas capturam a essência do gênero enquanto o reinventam para uma nova era. São músicas que evocam uma sensação de nostalgia ao mesmo tempo em que oferecem uma abordagem futurista e inovadora.
Além disso, o synthpop também influenciou uma série de artistas fora do gênero, que incorporam elementos eletrônicos em sua música de variadas maneiras. Desde o indie até o pop mainstream, as referências ao synthpop podem ser ouvidas, hoje, em uma ampla gama de estilos musicais.
A Repeteco também gostaria de trazer um exemplo brasileiro e recomendar uma banda que representa muito bem a adaptação do synthpop para os dias atuais. Bedhead Bedhead é um grupo de Campinas, São Paulo, e sua sonoridade, ao mesmo tempo que inova e aplica múltiplas influências na composição, ainda causa nostalgia e emula perfeitamente o que há de melhor no synthpop dos anos 80. Fica aqui a indicação do single “Pink”, lançado em 2020.