Alô?
Oii Tudo bem?
Nossa! Faz tempo que não te vejo, por onde você anda?
Ah é? Ah você deveria ter me ligado Quando?
Bem é que… eu recebo todas as minhas mensagens de voz…. e eu nunca recebi nenhuma sua
Bom, o número que você me deu deve estar errado, porque toda vez que eu ligo só dá ocupado
Por que você não deixa a minha chamada em espera?
Seu telefone sempre dá ocupado
Por que você não me liga, então?
Pois é, eu sei…
Pois é, a gente nunca mais se viu
Como se diz… Deeegorgeous? Deeegroovy? Deeelitable? Deeelite? Tóquio no Japão, Kropyvnytskyi na extinta União Soviética e Nova Iorque nos Estados Unidos. Desses três lugares saiu a banda mais legal do mundo: Deee-Lite! Conhecidos pelo super-hit “Groove is in The Heart”, Towa Tei, Supa DJ Dmitry e a vocalista Lady Miss Kier formaram um dos grupos mais interessantes da cena club underground dos anos 90, com uma maestria incrível de uso de samples e na estética visual e sônica do retrofuturismo.
O primeiro disco da banda, World Clique, talvez não seja o maior primor feito pelo trio. Além da club-perfection “Groove is in The Heart” e dos incríveis club-singles “Good Beat” e “Power of Love”, o álbum é visto como pouco inspirado, mas ele é TÃOOOOOOOOOO divertido. Recomendo pelo menos uma ouvidinha nele para entender que os críticos a esse trabalho só são incapazes de se divertir. A club-atmosfera que “What is Love?” proporciona é um exemplo: a faixa me proporciona uma das minhas experiências favoritas da batida, junto do monólogo de Miss Kier ao final da faixa (esse monólogo é encontrado no clipe de Groove is in The Heart e até já foi tema de desfile da Mugler). Mesmo nem toda música sendo um destaque do álbum, a experiência de ouvir essas club-batidas em sequência vai encantar qualquer um que entenda de club-classics.
Já o segundo dos três álbuns é definitivamente o filho do meio do trisal. O álbum menos comentado da banda, Infinity Within, toma um rumo minimamente diferente de seu antecessor: no meio das batidas e letras divertidas, a banda sentiu uma necessidade de usar sua música para motivos maiores. O chicletíssimo interlúdio “Vote, Baby, Vote” foi usado como jingle de incentivo para que jovens americanos votem, e “Rubber Lover” também incentiva o sexo-seguro numa era recém saída da crise da AIDS. Já estamos falando de uma banda injustiçada e pouco conhecida, e esse projeto é o mais injustiçado e pouco conhecido da banda, então é difícil vir defender esse vórtex de subestimação. Mas a irreverência descolada de Infinity Within, junto das complexas batidas de Dmitry e Towa, combinada às hipnotizantes letras pré-brat brat cantadas por Kier, apenas consolida a história dessa banda. Se você tem uma preguiça enorme de conhecer novas músicas e não está nem aí para os milhões de elogios que dou para esses três, a única coisa que peço é: ouça “Pussycat Meow” desse projeto.
E o que a gente faz com o filho fruto de um divórcio? Depois de algumas turnês, o incrível Towa Tei decidiu voltar ao Japão, não se sentia confortável com a rotina de turnês e preferia ficar em sua casa produzindo, e então saiu da banda antes da produção do terceiro e último álbum Dewdrops in the Garden de 1994.
Dewdrops in the Garden é um daqueles tesouros escondidos da música pop - o nível de maturidade encontrada nesse disco, junto a tanta leveza, é raramente visto dentro da música house. Ao contrário dos outros dois álbuns, as letras aqui tem um tom mais pessoal e mais pé no chão - assuntos como fim de relacionamentos são bem comuns em registros da primeira metade, como “Bittersweet Loving”, “When You Told Me You Loved Me” e “River of Freedom”, o que é pertinente visto a troca do produtor deles do Towa Tei pelo DJ Ani. Mas mesmo com esses sentimentos agridoces, há uma vibe muito específica que torna esse álbum tão único: pelos visuais e pela musicalidade, é óbvio entender que Deee-Lite é um grupo dos anos 90 com fortes inspirações nos anos 70 (hoje em dia isso já é o retrô retrô), e é em seu terceiro trabalho que eles conseguem conciliar perfeitamente esse sentimento nostálgico noventista pelos anos setenta, formando uma terceira coisa misteriosa e sonoramente espetacular. As influências dos movimentos hippies estão aqui principalmente de maneira iconográfica e simbólica, e as referências a toda essa construção visual e sonora estão presentes numa paródia/homenagem que reflete tão bem os anos 90 numa irreverência singular. Uma psicodelia já clichê dá um 180 e toma forma junto de elementos mais presentes da música house em “Bring Me Your Love”, “DMT (Dance Music Trance) e “Music Selector is The Soul Reflector”, sem falar do pop experimental da faixa secreta inserida em “What is this music?”.
Mesmo com o divórcio, Towa Tei participa da produção de uma canção do disco (que ouso dizer ser a melhor da carreira dos Deee-Lite): “Call Me”. Simples e sincera, a música tem um tom melancólico de Miss Kier desesperada por uma resposta em meio a repetidos barulhos de discagem de telefone. Essa dualidade temática junta de um primor da música eletrônica faz com que essa faixa se destaque não só entre a discografia deeeliteana, como também entre as músicas de seu tempo. Ninguém fazia uma música tão boa, tão irreverente e tão sincera naquela época. Os três/quatro foram pioneiros de uma atitude na música que pouco é valorizada, e é dentro desse meu amor por esse conjunto de trabalhos e muitos outros que eu escrevo — eu posso ir a qualquer momento, mas as coisas continuam e eu quero que outros amem as coisas que eu amei.
Alô? Quem é?
Ah tá, sim eu lembro Faz tempo que a gente não se vê…
Você quer fazer o quê? Ah mas isso aí não vai rolar
Bem… você deveria ter me ligado
Olha, eu tenho seu número aqui
Eu te ligo
Eu te ligo, cara
Te ligo
Tá bom?
Tchauuu
Queria elogiar o trabalho da revista em apresentar de uma forma tão cativante os artistas! Cada vez que pego uma atualização da repeteco e vejo que é sobre um artista que eu não conheço, já sei que vou acabar me interessando em ouvir. Acho isso lindo, continuem com esse trabalho magnífico de apresentar música com tanta pessoalidade!
Adorei! Só conhecia os hits, valeu pela dica! Depois que a banda acabou, eles chegaram a produzir trabalhos solos?