Do Vine ao Dreampop: Uma jornada pelos sonhos de Chloe Frances
A envolvente melancolia de uma estrela do humor
Chloe Frances Woodard ou só Chloe Frances, poucos conhecem essa artista de vários nomes que é uma joia secreta, percursora de projetos como a banda Dogbite e autora de tantos álbuns que viajam entre o bedroom pop, folk e um delicioso grunge melancólico, uma artista completa e de muitas facetas.
Tudo que sabemos sobre Chloe além do que ela conta em suas músicas é que ela nasceu em 1999 e vive em Chicago, a cantora é canceriana e se tornou muito popular não apenas pelo seu humor e posteriormente músicas, mas também por ser uma figura muito ativa na cena da militância pelas minorias em Chicago.
Quem escuta seus últimos projetos Zulu Giant e o EP de 2019 The Bell Box, álbuns com sonoridade leve e fantasiosa, dignos de trilha sonora de videogame analógico, não imagina que essa artista teve seu debut de uma maneira um tanto quanto inusitada. Se você era dessa época, com certeza já viu ela lá em 2015 sob o username chloelmao na plataforma do vine, onde postava diariamente conteúdo de humor ácido, mas que ganhou fama pelo viral vine do A-ha. Sim, é ela, a garota de aparelho e óculos escuros que tinha apenas alguns segundos e uma virada de cabeça, com “Take on Me” de trilha sonora, criou um dos vídeos mais assistidos da plataforma, levando sua conta a ter mais de 1 milhão de seguidores, número que na época era estrondoso. O que talvez nenhum de nós esperava era que por trás da figura cômica existia uma artista extremamente talentosa e sensível.
Com inspirações como Beat Happening, Twin Peaks, Talking Heads, Teen Suicide, Beck, The Strokes, Mitski, Naked Raygun, Pill Friends, Ty Segall e Jay Reatard, a jovem de 25 anos lançou seu primeiro álbum aos 19, em 2018, com o título Love, Chloe, uma obra de arte e com certeza um dos meus favoritos de todos os tempos. Nesse álbum, que mais parece um diário ou uma carta (como o título sugere) produzido no seu próprio quarto, a artista emplaca com temas como a nostalgia e amores não correspondidos, tudo embalado por um fundo melancólico na guitarra ou violão, acústico e simples, como uma sessão de terapia em um dia de sol entre nuvens.
A faixa principal "Chewing Sand and Kicking Gravel" é super sensível e usa do seu ritmo leve para retratar momentos difíceis da vida da autora, aonde ela diz estar "muito cansada pra sair da cama”. Chloe cria uma narrativa e descreve em detalhes cirúrgicos a sensação de se sentir preso em si mesmo, mesmo quando o mundo lá fora parece ensolarado, como na redoma de vidro de Sylvia Plath. Já na música "Little Kid", Chloe adentra seus traumas de infância, a dificuldade de aceitar a chegada da vida adulta e as mudanças que vem com ela, tanto físicas quanto mentais.
Wish I could back to eleven,
wish I could go back to ten,
I just wanna ride my bicycle around my neighborhood again
Faixa que é complementada pela música "Bycicle" do mesmo álbum, onde ela conta sua trajetória tendo saído de casa muito jovem e como isso afetou a forma como ela se relaciona com o mundo, sempre com um saudosismo, música que da vontade de ter 10 anos de novo e poder experimentar as coisas simples da vida uma última vez. Algo que é muito presente em praticamente todos os seus álbuns e que dá um toque único para cada música é o uso da harmonização com vocais em efeito de eco, trazendo uma sensação de dormência, onírica.
Cada música de Love, Chloe é uma viagem por si só, mas uma última faixa que merece muito uma aparição aqui é "Otto". Super pesada, totalmente diferente das demais, embalada por uma guitarra distorcida muito marcante que traz uma melancolia sem fim, mas que também é super importante pra transição da artista pra temas românticos, muito presentes em seus próximos álbuns. Nessa faixa a cantora abre o coração, narrando o quão avassalador pode ser sentir saudades de alguém que não sente o mesmo, mas ainda sim vendo esse amor por lentes cor-de-rosa.
It doesn’t matter, it doesn’t matter if you don’t love me,
I'll still love you from the bottom of my heart
No ano de 2019 tivemos dois lançamentos, o álbum Songs from the Foot of the Bed, e o EP The Bell Box. O primeiro lançamento traz ainda muitos elementos do seu primeiro álbum, com uma pegada mais acústica e músicas que podem até mesmo ser consideradas irmãs, como “Duckling”, que parece ser uma continuação de “Otto”, com a sonoridade bem parecida, mas um ponto de vista mais amadurecido, saindo da visão de um amor adolescente para uma queda na realidade.
“I wanted to hold you but I know I should refrain, I tried to fill the silences by forgetting about the past. And as we got high I tried to make you laugh” - Otto (2018)
“Like the night at your place When I got way too high and sloppily told you I needed you. Instead I say nothing because I know I’d rather not hear the answer” - Duckling (2019)
Fazendo uma mudança total, em seu EP The Bell Box, que apesar de não ter confirmação parece ser uma referência ao já citado anteriormente livro de Sylvia Plath The Bell Jar, se inicia uma nova era, temos algo totalmente mágico, digno de um episódio de Hora de Aventura. Chloe fala sobre o amor de uma maneira leve, como em um conto de fadas. Ouvir a música "Grand and Stately" te dá vontade de sair saltitando em um campo de flores, apaixonado. Vale lembrar que estamos falando de uma artista queer, o que torna a experiência ainda mais simbólica para aqueles que se identificam.
Apesar de não ser um favorito é preciso deixar um “alô” pro seu álbum de 2021 Zulu Giant, que conta com faixas apaixonantes como “Liebchen”, que significa querido em alemão e narra um romance leve, a sensação de finalmente encontrar alguém que te faz entender o que é amar sem se preocupar com as entrelinhas. Ouvindo esse álbum totalmente analógico e encantador, eu não consigo deixar de esperar que alguém use suas músicas em edits de Steven Universo ou até mesmo em um episódio do desenho.
Seu último projeto lançado, a música "Waiting Forever", de 2023, é super dançante e poderia estar tocando em uma boate alternativa ou de fundo no seu próprio filme coming of age. A artista além de produzir suas próprias músicas também cria as artes de capa de seus álbuns, assim como artes gráficas no geral e é uma das fundadoras da Dogbite, banda que em alguns aspectos teve mais sucesso que a artista sozinha, com músicas dançantes e muitas versões de suas próprias músicas solo sendo a principal faixa "Old man" que é totalmente disruptiva se comparada a versão original. Pra quem curte esse tipo de som vale a pena escutar outras faixas da banda como “Man Meant to Lose”, “Your Dad” e “Good Boy”.
Chloe Frances é uma artista original e única, que te leva numa viagem de foguete entre os vários planetas que fazem parte do sistema solar de uma jovem adulta descobrindo o mundo, deprimida e apaixonada. Se você se relaciona ou não, é impossível não amar a construção narrativa e musical tão sensível, delicada e única. Esperamos que em breve a artista de a luz a novos projetos e continue embalando nossas madrugadas mais sombrias e nossos dias mais ensolarados. Um beijo com amor, Chloe!