Formado em 2019, o trio Cosmotel é natural de Marília, em São Paulo, e conta com Carlos Eduardo na guitarra e vocal, Dennis Felipe no baixo e no vocal e Samuel Berardo por trás da bateria. O grupo lançou seu primeiro álbum, intitulado Retrato de Longa Data em 2022, e, desde então, têm marcado forte presença na cena independente nacional.

Combinando influências de bandas alternativas brasileiras com a clássica sonoridade de um rock setentista, Cosmotel consegue imprimir uma personalidade muito própria nas composições. Agora integrando o selo alternativo Trago Records, a banda conduz mais um projeto: seu segundo disco, o Dois e Dois.
Esse novo trabalho mostra o amadurecimento da banda, que já no disco de estreia trazia a característica cronista e bem humorada das letras de Carlos Eduardo.
Dois e Dois: sem tempo para ficar triste
Lançado na última quarta-feira (3), Dois e Dois já teve três singles previamente apresentados ao público: “Se Eu Não Errasse”, “Bar” e “Dois e Dois”, que dá nome ao álbum. Essas faixas-single revelam também um dos aspectos mais marcantes do álbum para além da sonoridade: a identidade visual. O contraste das fotografias vibrantes complementadas por um fundo preto — padrão que se repete em todos os singles e na capa do próprio álbum — invoca um sentimento acolhedor e confortável, similar ao que sentimos ao escutar as faixas. Quem assina o design é Carlos Eduardo.
Ao longo de suas 10 faixas, Dois e Dois explora temas que ressoam com os desafios e emoções da juventude contemporânea. Desde medos existenciais e relacionamentos conflituosos até festas tumultuadas e momentos de introspecção, as letras são habilmente acompanhadas por arranjos musicais que variam do sedutor e irônico rock de "Garota, Eu Sei" ao explosivo e melancólico de "Azul".
Carregadas de influências do slacker rock noventista, do rock inglês setentista e muito da música popular brasileira, as canções representam o amadurecimento do Cosmotel, assim como a definição da identidade do grupo.
É no embalo de “Garota, Eu Sei” que somos apresentados ao disco. Um rock sedutor, irônico e muito bem executado, define com perfeição a sonoridade adquirida pela banda em Dois e Dois. Em seguida, é com “Bar” que nos deparamos. A canção foi uma das lançadas antes do álbum sair e possuí um ritmo mais animado e equilibrado, com um refrão super cativante, potencializado pela sintonia entre as guitarras e vocais marcantes.
A próxima, “Adoçante” explora a brutalidade das emoções que transparecem no vocal intenso de Carlos Eduardo. Há um desespero pelo que não é dito, uma ânsia pela correspondência do sentimento. As guitarras intensas que se costuram na sonoridade só reforçam os gritos — esse clamor por sentir.
A característica irônica transpassa todo o disco, mas se faz presente com bastante intensidade na sequência de “Se Eu Não Errasse” e “Essa É Pra Você”. Esse jeito tão particular de interpretar a canção, com ousadia e sarcasmo, é um dos pontos mais marcantes da Cosmotel. Ao escutar essas faixas, sabemos que se trata de uma composição da banda.
Oh não, que coisa chata
Vou envelhecer até morrer
Quanto tempo pra me esquecer?
Oh não, eu acordei no mesmo ano de ontem
“Azul” é conduzida, à primeira vista, por um piano mais lento. No entanto, ao que a música avança, transforma o melancólico no explosivo, emulando o que há de melhor no rock setentista. Seguindo para “Não É Mais Sobre Você”, cantam a ânsia de relacionamentos passados, rodeados por riffs que reverberam as inspirações do indie rock.
A narrativa de “Vampiro” se coloca como uma das mais interessantes do álbum. Em uma levada que remete à um blues inventivo — e que progride em um delicioso caos sonoro graças à união guitarra e bateria —, devaneiam sobre os passos noturnos de uma criatura vampiresca.
Ele anda tão sério pela noite na cidade
Não enxerga mais o reflexo no espelho do banheiro do bar
Se sente tão cult diferente com suas presas novas
Se sente uma figura tão especial
Só porque tirou do peito as entranhas e o coração
Caminhando para o final do disco, nos deparamos com “Festa”. Há uma energia nostálgica na sonoridade, que explora uma atmosfera hipnótica para narrar o sentimento de desconexão com o ambiente em que se encontra. Aqui se faz presente a embriaguez de festas insalubres e as sensações que ela resulta.
A última e responsável por nomear o disco, “Dois e Dois”, com uma melodia complexa se concentra no amor como fio condutor da composição. Essa faixa marca a colaboração de Cosmotel com Lucas Gonçalves, da banda Maglore, conduzindo a guitarra solo.
E eu não sei se é melhor
Te matar na minha memória
Ou se escrevo um livro
Com mais de 500 páginas
Por mês sobre você
Sem deixar o BPM cair, a banda é capaz de demonstrar, ao mesmo tempo, amadurecimento e composições condizentes com esse processo da juventude. Amadurecer não é saber lidar com tudo, e sim entender é tudo natural e inevitável. É isso que Cosmotel canta. A ânsia de uma juventude que ainda não sabe lidar, mas dá o seu melhor para transparecer a sinceridade de todos esses sentimentos.