É preciso conhecer St. Vincent
Sobre a artista e o show realizado junto de Olivia Rodrigo, em Curitiba
Ainda nos últimos meses do ano passado, era anunciada a inédita vinda de Olivia Rodrigo a Curitiba — o único side-show do Lollapalooza que realizaria. Lembro da enorme empolgação com que a notícia foi recebida. No cartaz de anúncio, no entanto, notei uma informação que, para mim, chamava até mais atenção do que o nome principal em destaque. Em letras menores, omitida de muitos anúncios não-oficiais, lá estava ela: St. Vincent, creditada como ato de abertura dessa etapa da grande Guts Tour.
Comprei ingressos, claro, mas não sem estranhar a vinda da artista para o Brasil somente para abrir um show em Curitiba. St. Vincent foi premiada três vezes no último Grammy, e apesar do pouco que isso realmente representa para a música, serve como um indicador de que não se trata de alguém aleatório, de uma artista no início da carreira ou com poucos admiradores. Essa questão veio permeando meus principais pensamentos sobre o show à medida que o dia ainda não chegava. De alguma forma, encarava isso como uma grande injustiça e não conseguia entender o motivo de ter-se criado tal cenário. Uma artista veterana abrindo a apresentação de uma cantora de 22 anos. Não me conformava.
No entanto, há exatas duas semanas — quando toda essa abstração se concretizava em forma de longas filas e dores nas costas — percebi que isso era tudo bobagem.
Ao ver a própria artista falar tão admiradamente de Olivia Rodrigo junto da estrondosa empolgação dos fãs que assistiam a jovem pela primeira vez, entendi tudo. Entendi que esse era o momento de Olivia Rodrigo, e St. Vincent também tinha entendido isso. Percebi — ou talvez tenha escolhido acreditar — que isso tudo só prova a vontade genuína que St. Vincent sente de estar em cima dos palcos e ao lado de outros músicos do qual admira. Afinal, ela já é um nome consolidado do pop-rock-alternativo, e por isso sobra pouco por provar em relação à sua capacidade de lotar estádios. Isso, no fim das contas, pouco importa, já que ela soube aproveitar cada segundo dessa (infelizmente) curta apresentação e transmitir a paixão pelo que faz em cada música; tanto para os fãs que já sabiam as letras quanto para o público novo, que aparentava estar adorando conhecê-la, e vice-versa.
Mesmo assim, percebo que ainda falta um reconhecimento geral por shows de abertura. Não vi, por exemplo, St. Vincent estampar nenhum dos famosos merchandisings piratas às beiras da porta do estádio. E, por estar na arquibancada, notei que era uma das únicas ao meu entorno a cantar as letras e me levantar durante o show. Coisas bobas, sim, mas foram o suficiente para me inspirar a fazer esta breve introdução à St. Vincent — que talvez devesse ter sido publicada antes do show. Acontece.
Annie Clark
St. Vincent é o nome artístico que Annie Clark resolveu se dar, em referência a sua tataravó, cujo nome do meio era St. Vincent, mas também graças à canção “There She Goes, My Beautiful World”, de Nick Cave, na qual o artista canta o seguinte verso: and Dylan Thomas died drunk in St. Vincent's hospital.
Nascida em Tulsa, Oklahoma, mas criada em Dallas, no Texas, a artista sempre se destacou por sua habilidade em transitar entre diversos gêneros, incluindo o rock alternativo, pop experimental e até o eletrônico. Antes da carreira solo, St. Vincent foi parte da The Polyphonic Spree, um grupo texano formado por mais de vinte membros, que se auto-denomina um coral de rock sinfônico — e que possuí um ótimo disco de estreia, o The Begining Stages Of…. Além deste trabalho, ela também já foi parte da banda de turnê de Sufjan Stevens.
Mas foi somente em 2007, com o lançamento do seu primeiro álbum solo, o Marry Me, que o nome St. Vincent começou a se firmar no cenário musical, alcançando uma sonoridade que é única ao mesmo tempo que também agrada o comercial. Em seu segundo disco, Actor, lançado em 2009, valoriza mais a introspecção e produz um pop retrô cheio de contrastes e letras abstratas; e com Strange Mercy, de 2011, (um de seus melhores discos, na opinião da redatora) atingiu um público ainda maior mesmo com este sendo um de seus projetos mais experimentais e inovadores.
Depois disso, a artista realizou algumas interessantes colaborações com outros músicos. Em 2012, se juntou à David Byrne na produção do álbum conjunto Love This Giant. Também colaborou com Swans no disco To Be Kind, de 2014, fazendo vocais em “Screen Shot” e “Nathalie Neal”. Michael Gira chegou a falar sobre St. Vincent em entrevista à Pitchfork:
Ela é incrivelmente disciplinada e profissional, e parece ter um ouvido perfeito. Não me lembro de ela ter errado uma única nota. Fiquei muito, muito impressionado. Eu toquei várias das músicas nas quais ela não estava cantando, e ela ficava meio que passeando pelo estúdio de uma maneira bem espontânea, e eu achei isso muito tocante. Ela era simplesmente muito aberta, americana e amigável. Ela é muito legal.
A artista também já liderou o Nirvana, cantando Lithium ao lado de Dave Grohl, Krist Novoselic e Pat Smear. Além disso, já compôs duas canções para a saga Crepúsculo: “The Antidote” e “Roslyn”, junto de Bon Iver.
Voltando aos discos, em 2014, St. Vincent era lançado, um trabalho que trouxe uma sonoridade mais acessível, mas ainda manteve a autenticidade. O álbum recebeu elogios por sua produção refinada e pela mistura de estilos que ele carrega, do rock experimental ao art pop. Com faixas como "Digital Witness" e "Birth in Reverse", o disco rendeu à artista o Grammy de Melhor Álbum de Música Alternativa.
2017 foi o ano de MASSEDUCTION, uma das suas obras mais ecléticas e ousadas. Com uma estética visual altamente marcante e um som eletrônico e synth-pop, é um disco que explora temas como desejo, poder e identidade. O trabalho foi amplamente elogiado, mais uma vez solidificando St. Vincent como uma das vozes mais audaciosas da música moderna. As faixas “New York” e “Los Ageless” se destacaram muito e até hoje configuram entre as mais relevantes de sua carreira.
As produções mais recentes Daddy’s Home (2021), The Nowhere Inn (2021) e All Born Screaming (2024) — este último, o que nomeia a turnê que a trouxe ao Brasil — continuaram reforçando a identidade altamente marcante de St. Vincent e sua originalidade dentro da indústria do pop. All Born Screaming, inclusive, ganhou uma versão cantada completamente em espanhol, Todos Nacen Gritando, uma homenagem da artista aos ouvintes falantes do idioma.
Ao traçar uma trajetória como essa — que aqui ainda encontra-se extremamente resumida — St. Vincent demonstra uma grande capacidade de se reinventar a cada novo projeto. A cada disco, ela expande os horizontes musicais, desafia expectativas e oferece a quem acompanha seu trabalho novas perspectivas sobre o que é possível dentro da música.
Show em Curitiba
E não teria como finalizar o texto de hoje sem falar um pouco sobre a explosão provocada por St. Vincent na apresentação em Curitiba.
Abrindo com o principal single de All Born Screaming, “Broken Man”, a cantora se colocou em evidência entre as guitarras distorcidas do refrão e logo demonstrou ao público seu poder de encantar à primeira vista. Com uma magnífica presença de palco, emplacou mais duas faixas do novo projeto, “Big Time Nothing” e “Flea”. Estas, menos conhecidas pela audiência local, mas ainda assim capazes de manter a energia da primeira canção.
E foi na primeira metade do show que “Los Ageless”, faixa que compartilha o carinho tanto dos fãs quanto de quem conhece apenas algumas canções pontuais, falou por si só. Sem precisar de introduções, agora finalmente ouvia-se o gritar de versos, até mesmo da arquibancada. O single que integra MASSEDUCTION é animado, sensual e divertido — encaixando perfeitamente na atmosfera que o Estádio Couto Pereira ia adquirindo.
Pertencente ao mesmo disco, “Fear The Future” foi a sucessora. Igualmente animada, mas com uma sonoridade levemente mais maximalista, foi a trilha sonora de uma performance à parte que St. Vincent realizava apenas através de sua movimentação por cada canto do palco. A próxima foi “Digital Witness”, mais puxada para o eletrônico e exigindo vocais robóticos, a faixa que integra o álbum homônimo soa ainda mais inventiva tocada ao vivo.
“Pay Your Way In Pain” foi a única representante de Daddy’s Home na apresentação. A canção possuí versos marcantes e um explosivo refrão — o que foi uma boa escolha para um show onde grande parte do público poderia não ter as letras das faixas na cabeça.
Chegando ao final da apresentação, St. Vincent abriu caminho para algumas lágrimas com a emocionante “New York”. Mais lenta, romântica e melancólica, foi interpretada com muita intensidade e marcou um dos momentos mais memoráveis da noite.
Em um contraste curioso, ainda tocou “Sugarboy”, talvez para animar novamente a plateia, e em seguida finalizou com uma versão estendida da já longa faixa “All Born Screaming”, que também fecha o disco de mesmo nome. Uma colaboração com a artista Cate Le Bon, a faixa é mais minimalista e segue um ritmo que começa descontraído. No entanto, progressivamente, a faixa ganha mais elementos eletrônicos e vocais que imitam um coral, repetindo o verso all born screaming.
E foi gritando estes versos que o público se despediu da performance — felizes tanto pelo que acabou de ser apresentado, quanto pelo o que ainda estaria por vir.
essa primeira parte me lembrou muito de quando o paramore foi abrir os shows da turnê da taylor swift na europa!