Entrevista com Resp3x, ou melhor, Resp e 3x
Um bate papo sobre o lançamento do EP Cotia, além do passado e presente da banda curitibana
No guaraní-mbya, a palavra cotia significa ponto de encontro. Derivada de coty, cuty, cutia e acotia, a palavra virou também o nome de uma cidade, localizada na região da Grande São Paulo, próxima de Embu das Artes, Itapevi e da própria capital. Cotia também é o nome do próximo lançamento da Resp3x, ou melhor, do Resp e da 3x, que tem estreia prevista para a próxima sexta-feira (04). A Repeteco teve acesso antecipado e conversou com eles sobre o novo EP, influências audiovisuais e perspectivas para um futuro próximo.
Mas afinal, quem é Resp e quem é 3x?
Antes de tudo, é preciso contexto, principalmente se você não sabe de quem estamos falando. Resp é o nome artístico de Lorenzo Molossi, cantor curitibano que começou sua carreira solo em 2019, depois de fazer parte de bandas indie-rock. No ano seguinte, aconteceu seu primeiro lançamento, 2x, trabalho com 10 faixas e que acabou tendo divulgação inteiramente digital devido à época pandêmica. Durante os próximos anos, Resp seguiu lançando singles, EPs e mixtapes, se destacando no cenário de música indie da capital paranaense. ESCAMA, seu segundo álbum, é de setembro de 2022 e contou com sua primeira turnê pós-pandemia, passando pelos três estados do Sul brasileiro e pelo estado de São Paulo. De acordo com o próprio, suas músicas expressam agressividade através de letras mais diretas e tristes, numa pegada mais experimental.
No ano seguinte, Resp teve inúmeros lançamentos, incluindo 3 EPs que compuseram seu próximo álbum, SUBSOLO, com estreia em Novembro de 2023, a tempo do que ele chamou de maior show da carreira, no LOOP LOB, em Dezembro, evento produzido pela Lóbulo. No começo de 2024, o artista lançou “ÁGUA VIVA”, seu último single antes da concepção da 3x, uma releitura contemporânea da música homônima de Pedro Santos no álbum Krishnanda, de 1968, que é lembrado hoje como “à frente de seu tempo”, numa pegada mais experimental.
Ainda no longínquo ano de 2024, teve início o projeto 3x, uma banda para acompanhar Resp, tanto em shows como em regravações de músicas já lançadas pelo cantor. Fazem parte da 3x: Niko (voz), Felipe Zago (bateria) e Amanda/Amandeczka (baixo), além do próprio Resp, que também fica responsável pela guitarra. Sobre o período pré-3x, Lorenzo nos conta:
RESP: Resp é meu trampo solo, entre 2015 e 2016 comecei a escrever essas músicas, mas só fui começar a lançar em 2020. Daí eu tenho três mixtapes e vários singles. E aí, alguma hora, eu estava fazendo show e era sempre solo. Naquele pique meio, um DJ tocando os beats e eu só cantando. Era tipo um karaokê, só que tava dando boa. Teve um show que eu cheguei a soltar os beats no meu celular, era meio cringe, mas eu tava puxando lá, dançando sozinho. Enfim, eu resolvi formar a banda e aí nasceu a 3x.
No momento da entrevista, a 3x estava voltando de uma miniturnê em Santa Catarina, que entre outras coisas, incluiu a abertura de um show do Link do Zap e uma apresentação em Joinville que virou duas, como nos falou Resp:
RESP: Deu um problema no horário do lugar que a gente tinha combinado, a gente montou o rolê com o Bomfim, Mess For Now, que é uma banda meio tributo ao Rage Against the Machine, mas com umas autorais também, e o DJ Nen, amigo nosso. Então ia ser quatro atrações, né? Aí eles deram o horário das seis até as dez só. Não vimos que era muito longe do centro, a galera começou a chegar só oito, oito e meia. E daí a gente ficou, “o que a gente vai fazer, né?”. Aí uma pessoa da outra banda ligou num outro pico e transferiu, tipo, metade do rolê pra esse outro pico e tocamos duas vezes, um nesse primeiro lugar e depois corremos pro outro e tocamos de novo. Foi uma correria, mas foi irado!
O que se destaca nesse novo projeto é a presença de palco de toda a banda, que de acordo com os mesmos, encanta os fãs mais antigos e cativa os novos. Não é incomum escutar alguns bordões de Resp nas músicas, mas ao vivo isso se intensifica, com bagulho doido e check check check, que o mesmo diz ter pego do rap. De acordo com Niko, é no ao vivo que se encontra a virtude do objetivo da banda.
NIKO: Gostamos das músicas gravadas, mas no ao vivo a gente consegue colocar verdadeiramente nosso suor e potencial. E esses fãs que acompanham o ao vivo acabam entendendo. Conseguimos passar a realidade. A gente gosta de toda a energia, toda a disposição da galera.
Dentre as influências de cada membro da banda, a única resposta consenso foi a da banda norte-americana Title Fight, que se encaixa no gênero post-hardcore, ou seja, entre o indie-rock e o hardcore, podendo ir mais próximo do shoegaze, ou, como o próprio Resp destaca:
RESP: Energia e sujeira, mas ainda mantendo um pouco da melancolia.
Toda a banda possui um vasto leque de artistas que os influenciam. O baterista Zago tem de influências musicais gêneros como pop-punk (The Story So Far e blink-182), slowcore, trap (Playboy Carti), hardcore, punk e MPB. A baixista Amanda cresceu ouvindo noise, gênero que utiliza do excesso de sons, mas diz gostar muito de Bjork e Fiona Apple também. Niko cresceu ouvindo MPB com os pais, mas algo mais voltado para artistas como Legião Urbana, Roupa Nova e Nando Reis, partiu para o rock nacional de Pitty e NX Zero antes de conhecer o Paramore em um Guitar Hero — que se tornou sua primeira banda favorita. Depois disso veio o A Day to Remember, o Asking Alexandria e o The Story So Far.
NIKO: Então, até hoje, eu amo descobrir novos artistas, principalmente brasileiros, galera do underground, e isso me inspira bastante, eu amo acompanhar coisas brasileiras, ver o que a galera está criando agora, nesse momento. E eu amo ver o jeito que a galera se expressa. Acredito que hoje em dia o que me inspira mais são músicas de pessoas aleatórias, não que eu não goste de artistas famosos, mas muitas músicas que eu encontro, eu vou arquivando e isso vai se tornar o meu material de inspiração.
Zago ainda destacou entre suas inspirações um vídeo do produtor e músico Toro y Moi, Soul Trash, uma mixtape/coletânea de “sobras de estúdio”, material produzido que não iria para nenhum álbum, dentre esboços criativos até vídeos de turnê e bastidores. A eterna mescla de influências é vista nas canções da banda, que tem dificuldade de se encaixar em um único gênero musical, por mais que tenha começado anos atrás com o Resp misturando rap, R&B e jazz. O desafio da 3x é traduzir isso em performances de post-punk, mais rock com o indie e mais pesado com o hardcore, porém, o vocalista não vê dificuldade nessa “tradução”, citando o Linkin Park e o nu metal como exemplos de mistura entre rock e rap. Felipe Zago completou sobre as apresentações ao vivo:
ZAGO: Se você for ouvir os lançamentos do Resp, é mais puxado pro R&B, pro rap. E quando a gente vai tocar, o negócio vira um rockzão, né? Um negócio mais pesado. Tem uma música que é a “PARE DE FALAR” que na versão dela do Resp, é mais calma, um dance-punk. Aí no ao vivo, ela tem uma parte que vira uma pauleira, que a gente senta a mão e eu acho faz sentido. Eu acho que a gente só sente o que a música tá pedindo e aí que entra tudo que temos de referência. Então, quando vamos tocar acho que vem natural esse peso, sabe?
Escamas, pele de cobra e a metamorfose de Resp em 3x
Falando sobre a parte lírica, um tema recorrente das letras do cantor é a mudança, aqui simbolizada pelo animal cobra, que vive trocando sua pele e se renovando com isso. Questionado sobre o que a cobra representa pra ele, Resp diz:
RESP: Essa imagem da cobra, da mudança de pele, da escama, é uma coisa que eu sempre levei muito na minha vida, o quesito transformação. Poder mudar, virar outra pessoa e não ficar muito preso no passado. Eu fui essa pessoa, então eu tenho que agir desse jeito agora, mas eu posso, às vezes, mudar. Todo mundo pode mudar.
As letras então poderiam simbolizar as constantes batalhas que a vida proporciona, entre a autoajuda e o reconhecimento de nossas próprias conquistas. Outro traço da 3x que mostra sua versatilidade, sua incansável troca de pele (ou escama), é o repertório sociocultural da banda e a influência de diversas frentes de arte que fogem da música. Os diferentes tipos de arte impactam no processo artístico dos mesmos, principalmente pelos meios visuais.
Niko contou que se interessa por design. Ela é a responsável pela estética da banda e sempre foi uma pessoa muito visual. Zago, além do Toro y Moi citado anteriormente, expressou sua paixão por artes visuais, dizendo fazer parte de uma pulsão criativa que interliga o meio da música com o de outras artes, ainda que a visualidade da música seja algo abstrato. Amandeczka adicionou na mistura entre o manual e o sonoro seu gosto por meios artesanais, como a confecção de produtos de venda em shows, os famosos merchandises.
AMANDECZKA: Em 2008/09, eu vi um vídeo do Cansei de Ser Sexy estampando as próprias camisetas, perdido no YouTube, e eu sempre fui muito dos processos de impressão manual. Então eu fiz serigrafia, sou muito da gravura e recentemente a gente fez junto as telas para a impressão de camisetas e foi tipo um sonho sendo realizado, a Amanda adolescente fazendo parte de uma banda e poder fazer essa arte na minha banda. Tipo, a gente não tem dinheiro pra terceirizar essas coisas, então a gente tem que fazer isso. Só que aí a gente faz porque a gente gosta também.
A viagem até Cotia
Por mais que Resp já seja um artista consolidado no cenário underground curitibano a pelo menos 5 anos, a 3x é relativamente nova e conta com apenas 5 músicas lançadas nas mídias digitais. O (até então) único EP da banda é o Meio da Semana, de novembro do ano passado, que conta com 5 músicas: “Comeback!”, “Atrás da Moeda”, “Sem_Demora”, “Entre as Peças...” e “Natural #5”.
Atrás da Moeda e Entre as Peças... são canções regravadas do álbum solo de Resp, SUBSOLO, de 2023, enquanto Sem_Demora é uma regravação de uma música mais longínqua do mesmo, do EP 1999, de 2021. Comeback! e Natural #5 foram as primeiras canções originais da banda, ainda que podemos esperar muito mais disso no futuro. O lançamento do começo de abril traz 3 novas regravações, produzidas no Inhame Estúdio, em Cotia, cidade que também nomeia o EP.
“Nova Lua”, originalmente no álbum 2x, de 2020, ganha um caráter explosivo com a participação vocal de Niko, enquanto a letra discorre na reflexão cotidiana sobre tempos melhores no decorrer de uma viagem de ônibus. “A QUEDA”, de acordo com os mesmos, é a canção mais próxima do shoegaze neste EP. Lançada em 2022, no álbum ESCAMA, a música fala sobre persistência, lembrando novamente da temática troca, tentativa e erro, mudar e se adaptar, mas com cuidado, porque quanto mais alto, maior a queda. Por fim, “600202 (cuidado)”, também do álbum 2x, destaca os dizeres cuidado e carinho, não apenas um com os outros, mas também com a cidade. Sobre a produção dessas três músicas reimaginadas, Resp completou:
RESP: Esse EP que a gente tá soltando agora é meio que uma session. A gente tava em São Paulo, um pouco antes do show, setembro passado, colamos no estúdio do Rubens [Adati], que é um amigo que eu conheço faz muito tempo também, de vários rolês de bandas, e o estúdio era uma casa, quase uma chácara, um lugar lindo, paradisíaco. Nós passamos a tarde lá e gravamos cinco músicas, na real, mas esse EP são três que a gente selecionou. Depois a gente refez algumas coisas, de guitarra, de overdub, de voz, e tá lançando agora. A gente não fala tanto que é uma session porque a gente trabalhou bastante em cima e às vezes eu acho que se a gente ficar falando que é uma session as pessoas falam tipo, ah tá, é um “ao vivo”, e não vão ouvir do mesmo jeito como se a gente falasse que foi uma gravação de estúdio, sabe? Mas foi um trampo que demandou uma energia, um trabalho bem sério.
O que o amanhã reserva para Resp e 3x?
Para além do lançamento na próxima sexta-feira (04), a banda nos compartilhou planos para o futuro, incluindo frutos dessa mesma gravação no estúdio de Rubens Adati, em Cotia. De acordo com Lorenzo, o plano é que as demais canções saiam no decorrer de 2025 em formato de singles, além disso, continuar com a agenda de shows pela capital paranaense e quem sabe emendar mais uma turnê Brasil a fora.
O mais aguardado, depois da estreia de Cotia, de acordo com o vocalista, é finalizar a produção de um filme, gravado pela banda em 2023, que está em processo final de edição. Mais detalhes não foram compartilhados, apenas que Niko estava na equipe de trabalho do filme, mais precisamente na direção de arte, antes de ser parte de uma banda com Lorenzo, Amanda e Zago. Isso só comprova o que falamos e mostramos durante o texto e nossa conversa com Resp e 3x: é um grupo multifacetado no quesito artístico e que merece atenção nos próximos lançamentos.
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