No dia 2 de abril de 2023, o grupo californiano Avenged Sevenfold dividiu opiniões com o lançamento do aguardado álbum Life is But a Dream…. Durante a campanha de seu lançamento, os singles “Nobody” e “We Love You”, apesar de já dividirem opiniões devido a algumas experimentações aqui e ali, antecipavam uma sequência ao estilo já concretizado no álbum anterior.
Quem são eles?
Com os trabalhos tendo início em 1999, a banda formada originalmente pelos músicos M. Shadows (voz), Synyster Gates (guitarra), Zacky Vengeance (guitarra), Johnny Christ (baixo) e Jimmy “The Rev” Sullivan (bateria) é reconhecida como uma das mais expressivas do metalcore, tanto por conta do rico repertório criativo-musical do grupo quanto pela qualidade técnica de cada integrante individualmente.
Ao longo da carreira, emplacaram diversos hits aclamados, como “Unholy Confessions” (Waking the Fallen, 2003), “Beast and the Harlot” (City of Evil, 2005), “A Little Piece of Heaven” (auto-intitulado, 2007) e “Nightmare” (homônimo, 2011). A banda é reconhecida, também, pela versatilidade em seus trabalhos — ao mesmo tempo em que produzem canções pesadas com riffs, batidas e solos alucinantes, também escrevem baladas capazes de emocionar a qualquer um com a lírica e o instrumental, estes sempre muito bem orquestrados entre si.
Após a morte precoce do baterista Jimmy “The Rev” Sullivan em 2009 e o quase encerramento das atividades, a banda passou a tomar, progressivamente, novos rumos, uma vez que este era uma relevante peça no processo criativo que o grupo adotava até então. Tendo sido autor de algumas das mais notáveis músicas da carreira do grupo, era inevitável que, após certo tempo, se notassem algumas mudanças na sonoridade. No entanto, sempre foi deixado claro, por parte dos integrantes — e dos fãs — , o carinho e respeito que portavam pelo legado do amigo.
Em The Stage (2016), o quinteto trabalhou, pela primeira vez, a ideia de uma álbum totalmente conceitual, na qual buscaram expressar diversos assuntos ligados ao existencialismo cósmico através das letras e instrumentais. No entanto, nem o mais árduo fã poderia prever o patamar em que essa ideia chegaria no novo trabalho da banda.
Vivenciando o sonho
“Game Over”, faixa de abertura do álbum, estabelece, com firmeza, a atmosfera geral da obra. Com um calmo violão dançante que é abruptamente interrompido por uma entrada explosiva do restante da banda, a impressão que se tem é de caos total. Com alguns momentos de respiro nas faixas subsequentes, essa forma caótica passa a ter um tom de organização, e é possível visualizar um tortuoso caminho no qual a obra ruma. Em faixas como “Easier” e “G” enxerga-se de forma bem clara o anseio dos músicos por experimentar novos elementos e encaixar suas referências musicais pessoais, porém sem escapar do conceito sonoro geral colocado até o momento.
Entretanto, é em “(O)rdinary” que as coisas começam a tomar um rumo diferente. Sendo uma música que poderia ser facilmente confundida com um remix produzido pelo Daft Punk, é impossível não ficar confuso, levando em conta tudo que havia sido apresentado até então. Ainda atordoado, a relaxante balada “(D)eath”, que vem a seguir, serve quase como uma cama para que o ouvinte possa deitar enquanto processa o que está consumindo.
Encerrando-se de forma épica e dramática, a faixa desemboca diretamente na última peça do álbum. Homônima ao álbum, “Life is But a Dream…” sintetiza todo o sentimento de confusão vivenciado até o momento. Ao longo de sua discografia, o grupo desenvolveu o costume de posicionar ao final dos discos suas composições mais ambiciosas, como “Exist” em The Stage, “Save Me” em Nightmare e “A Little Piece of Heaven” no auto-intitulado. Entretanto, dessa vez, optaram por encerrar a experiência com uma suave peça solo de piano. Atônitos. Essa é a melhor forma de descrever o estado em que nos encontramos após ouvir o álbum pela primeira vez. A obra é, sem dúvidas, um ponto fora da curva na jornada da banda que, agora, totaliza 9 discos em sua carreira.
Apesar das inúmeras diferenças criativas de Life is But A Dream… para os trabalhos anteriores, diversas características da sonoridade do grupo persistem, como, por exemplo, os instrumentais sempre muito bem trabalhados e arranjados pelos músicos. Mesmo dividindo opiniões, a técnica na construção das composições segue sendo aclamada de maneira unânime. Vale destacar, aqui, a atuação do guitarrista Synyster Gates, que constantemente expande seus horizontes de maneira interpolada a atmosfera geral da obra, contribuindo, assim, de maneira vital para a concretização da mensagem a ser transmitida nas faixas.
A releitura de composições antigas também é um fator que contribui imensamente para a manutenção da identidade da banda, como em “Beautiful Morning”, onde há um trecho que foi idealizado por Jimmy “The Rev” Sullivan, datado de meados de 2002. Detalhes como esse evidenciam o carinho e respeito que Avenged Sevenfold mantém, acima de tudo, por sua própria história ao longo da carreira e atribuam linearidade a uma obra que, em primeiro momento, pode parecer desconexo dos trabalhos anteriores.
Por que fizeram isso assim?!?!
Após nos recompormos da primeira ouvida, inevitavelmente nos questionamos sobre a intenção da banda com esse disco. Em entrevista, o frontman M. Shadows menciona a inspiração da literatura de Albert Camus como um dos pivôs na composição do álbum. Ao lado de uma severa crise existencial e a experimentação com alucinógenos, o músico comenta que os fatores foram essenciais para que tivesse uma “libertação niilista” - responsável essa por engatilhar a visão de mundo que influenciaria diretamente as composições. A partir desse momento começamos a destrinchar, de forma mais concisa, o significado de Life is But A Dream….
Podemos traçar aqui um paralelo com o conto O Estrangeiro (Camus, 1942), no qual o protagonista Meursault encontra-se alheio e indiferente frente a diversos acontecimentos que, para qualquer outra pessoa, causariam um impacto profundo e marcante. Como se estivesse em um estado atônito permanente, o personagem se coloca sob uma tênue linha entre a insanidade e o existencialismo, causando um desconforto que faz com que o próprio leitor carregue para si o anseio de questionar o significado do mundo ao seu redor.
É nesse ponto, porém, que temos uma diferença entre as duas obras - se no texto de Camus o leitor é apresentado a visão de mundo absurdista de Meursault, em LIBAD o ouvinte é colocado na pele desse personagem. Todo o desenvolvimento do álbum faz com que fiquemos alheios à progressão e mudanças das quais não temos controle nenhum, nos restando, somente, apreciar a paisagem sonora que é apresentada e questionar se, necessariamente, algo ali precisa realmente fazer algum sentido.
A dicotomia faz com que Life is But A Dream… seja um prato cheio para quem estiver disposto a apreciá-lo por inteiro. Muitas vezes incompreendido, o significado por trás do álbum está na experiência que Avenged Sevenfold nos proporciona ao ouvi-lo pela primeira vez.