Feliz Aniversário, Grace!
O primeiro e único álbum de Jeff Buckley completa 30 anos em 2024
Grace é um dos álbuns que, ao ouvir pela primeira vez, já entendemos o motivo de ser considerado um clássico. O único disco de estúdio de Jeff Buckley, com 10 faixas distribuídas em pouco mais de 51 minutos, foi capaz de deixar uma herança imensa para as próximas gerações de artistas.
Através de sua voz celestial e habilidade única de transmitir emoção através da música, Buckley criou um trabalho que transcende gêneros e gerações, deixando uma marca indelével no cenário musical. Neste texto, não celebramos apenas os 30 anos das faixas icônicas que compõem o álbum, mas também o legado de um artista que permanece vivo em suas composições.
A vida breve
Jeffrey Scott Buckley nasce em 1966, mesmo ano em que seu pai, Tim Buckley — músico americano que experimentava com o folk e o jazz-rock, compositor da clássica ‘Song to the Siren’ — lança o primeiro álbum de sua carreira e termina a relação com a então esposa Mary Guibert. A partir daí, Jeff passa a ser criado por Mary e o padrasto. O músico só vê o pai biológico uma única vez, aos oito anos.
“Eu o conheci uma vez, quando tinha 8 anos. Fomos visitá-lo e ele estava trabalhando no quarto, então nem consegui falar com ele”
Apesar do escasso contato com a veia artística do pai, Buckley cresce em um ambiente musical. Com a junção das influências da mãe, pianista e violoncelista clássica, e das recomendações de bandas como Led Zeppelin, Queen, Jimi Hendrix, The Who e Pink Floyd, por parte de seu padrasto, foi-se criando um ambiente propício para o interesse do jovem em seguir carreira na música.
E essa carreira começa, de fato, aos 25 anos. Jeff Buckley já era guitarrista e pianista, mas não considerava cantar por temer as prováveis comparações com o pai. Porém, em 1991, é convidado a participar de um show tributo a Tim Buckley, e sua voz chama a atenção de outras bandas e produtores.
Em paralelo, começa a se integrar numa cena que acontecia em Nova York, no bairro East Village, mais precisamente no café Sin-É (em inglês pronuncia-se shih-NAY, uma expressão gaélica que significa “é isso”). Allen Ginsberg, Gabriel Byrne, Marianne Faithfull, Iggy Pop e Sinead O’Connor são outros nomes que frequentavam o local. Foi lá que um empresário da Columbia Records descobriu Buckley, levando-o a assinar um contrato para gravar seu primeiro, e único, álbum solo.
Em 1997, Jeff termina de compor as faixas que viriam a integrar um segundo disco — o Sketches for My Sweetheart the Drunk, lançado postumamente em 1998. Porém, durante um intervalo entre as gravações no estúdio, sua vida é interrompida. Jeff Buckley morreu afogado no rio Wolf aos 30 anos. Seu amigo, Keith Foti, um roadie, foi quem testemunhou seus últimos momentos. Foti ouvia o amigo nadar cantarolando ‘Whole Lotta Love’ do Led Zeppelin, até que foi guardar objetos no carro, que estava um pouco mais afastado do rio. Quando voltou, não ouviu mais nada. Gritou o nome de Jeff por quase dez minutos e, não obtendo resposta, decidiu chamar a polícia.
Helicópteros sobrevoaram o rio em busca de Buckley, mas seu corpo só foi encontrado uma semana depois, próximo à nascente do rio Mississippi, no dia 4 de junho de 1997. A autópsia não encontrou sinais de drogas ou álcool, concluindo que foi um afogamento acidental.
Grace e a mistura de influências
A validação do talento de Buckley é consumada com o lançamento do disco Grace, em 1994. Concebido na ressaca do grunge, o álbum foi capaz de se colocar como algo à parte de tudo que estava sendo produzido na cena do rock ’n roll da época. A partir da mistura de influências do rock alternativo, do folk, da música indiana e do jazz, Jeff Buckley concebe um clássico.
Grace traz, ao todo, sete músicas autorais e três releituras — ‘Lilac Wine’, canção de James Shelton, que ficou famosa da voz de Nina Simone, ‘Hallelujah’, clássico de Leonard Cohen e ‘Corpus Christi Carol’, uma canção britânica de natal escrita no século XVI.
É um disco que disseca relacionamentos. Fala sobre amor na mesma medida que contempla a melancolia das relações românticas. Não que Buckley seja pessimista, mas sim capaz de abordar os variados aspectos da intensidade e complexidade das situações que retrata. Esse rico lirismo, somado à interpretações altamente originais — tanto de suas composições próprias quanto dos covers — é o que torna Grace especial.
‘Mojo Pin’, a primeira faixa do álbum, já expõe a capacidade do artista em transmitir e interpretar sua sensibilidade. Ao gritar Ageless, ageless, I’m there in your arms, somos facilmente levados à seu mundo, transportados à ideia de habitar eternamente o conforto dessa dor.
A sequência de ‘Grace’ e ‘Last Goodbye’ não fogem dessa ideia. Na primeira, Buckley explora o poder do amor verdadeiro no contentamento com a própria mortalidade. Na próxima, o sentimento é visto sob outro prisma, não como solução para uma angústia, e sim como a causa.
A saudade entra em tópico novamente com ‘So Real’. Buckley canta o desejo de preservar a memória de um amor passado. É uma mistura de angústia com sensualidade e explosão que só poderia ser cantada por uma voz.
We walked around 'til the moon got full like a plate
And the wind blew an invocation and I fell asleep at the gate
And I never stepped on the cracks 'cause I thought I'd hurt my mother
And I couldn't awake from the nightmare, that sucked me in and pulled me under
Esse aglomerado de sentimentos é parecido com o que presenciamos em ‘Lover, You Should’ve Come Over’. Uma das faixas mais conhecidas do álbum, também é uma das que mais destacam o vocal poderoso de Jeff Buckley. Ouvimos promessas apaixonadas, uma declaração que prova o quanto de amor e obsessão são sentidos pelo compositor.
It's never over
My kingdom for a kiss upon her shoulder
It's never over
All my riches for her smiles when I slept so soft against her
It's never over
All my blood for the sweetness of her laughter
Mas foi por conta do cover de Hallelujah que, anos após ser lançado, o álbum atingiu um nível maior de reconhecimento. A interpretação passional da composição de Leonard Cohen tornou-se uma das versões mais famosas da música. Em 2007, o cover foi lançado como single, atingindo o número 1 das paradas britânicas no ano seguinte.
Ainda no espiral de Grace, há espaço para ser surpreendido. De imediato, ‘Eternal Life’ pode parecer destoante do restante das faixas, mas quando a voz de Buckley surge costurada entre o instrumental pesado, percebemos que tudo está em seu lugar. A canção soa muito inspirada pela sonoridade de Led Zeppelin, uma das principais influências do artista, e é prova de sua versatilidade, tanto lírica como melódica.
Eternal life is now on my trail
Got my red glitter coffin, man, just need one last nail
While all these ugly gentlemen play out their foolish games
There's a flaming red horizon that screams our names
Um último destaque dentre as tantas faixas que merecem espaço, fica para ‘Forget Her’, a última do disco. Narrando a luta emocional para superar um relacionamento, Buckley apresenta uma das músicas mais liricamente cruas e poéticas. 'Cause I know you're somewhere out there right now. Não poderia haver maneira melhor de finalizar o álbum.
Legado
“Quando o Plant e eu vimos ele tocando na Austrália, ficamos assustados. Foi realmente tocante”
Os elogios acima, vindos de ninguém menos que Robert Plant e Jimmy Page, influências cruciais na vida de Jeff Buckley, ajudam a dimensionar o impacto de suas criações. Também não é atoa que Bob Dylan declarou Buckley como "um dos melhores compositores da década", e David Bowie considerou Grace um dos melhores álbuns já feitos.
No entanto, a tamanha beleza musical de Jeff Buckley chega a causar uma certa de melancolia, já que não teremos a oportunidade de conhecer todo seu potencial artístico. Não poderemos presenciar tudo que faria com a música em suas mãos. Mas Buckley ainda vive em seu legado. Ele ainda vive naqueles que o tem como influência e se inspiram na breve, mas bela herança que deixa para a música.
Seja a partir de bandas consolidadas, como Radiohead, Muse, Coldplay e Incubus — que apontam o artista como referência —, ou com simples entusiastas, que levam a graciosidade das composições consigo no dia a dia, na memória e nos ouvidos. De qualquer maneira, Jeff Buckley será lembrado. Eternamente.