Lencinho: o resultado de sintetizadores, cavaquinhos e muito amor
Sinta o calor do pagode alternativo
As experimentações de Vitor Brauer, da Lupe de Lupe, Pedro Millecco, da Trash No Star, e Bernardo Cunha, Gabriel Otero e Fábio Baltar, da banda Tom Gangue, resultaram no Lencinho, grupo que propõe uma mistura atraente de samba, pagode e rock triste.
A banda se juntou em Queimados, no Rio de Janeiro, cidade Natal dos membros da Tom Gangue, durante a estadia de Brauer no estado — unindo a paixão pelos gêneros populares brasileiros que cada integrante nutria. Seus trabalhos anteriores já evidenciavam essa influência, porém um álbum completo — que mistura guitarras atmosféricas e solos melancólicos com cavaquinhos, pandeiros e outras sonoridades clássicas do pagode e do samba — foi algo, até agora, inédito.
A ideia já era prometida há muitos anos aos que acompanham Vitor Brauer nas redes sociais, mas foi só em novembro de 2023 que o projeto se tornou público. O single escolhido para inaugurar a Lencinho foi “O Gosto do Amor”, seguido por “Paraíso”, lançado em 25 dezembro especialmente para o natal e, finalmente, o álbum completo ‘Só As Melhores’, que deu as caras no primeiro dia de fevereiro, em tempo para o Carnaval.
Não é algo irônico
Antes de tudo, não se engane ao achar que a Lencinho é um projeto parodístico. A relação orgânica que os amigos de infância trazem ao som que dão vida permite que a união da música alternativa com a música popular brasileira seja apreciada sem soar sarcástica ou até mesmo elitista. Ainda que encarar a banda como irônica seja tentador, seria uma injustiça com o apreço dos músicos pelos gêneros que exploram. É tudo feito de maneira apaixonada, sincera e natural.
A verdadeira essência da Lencinho reside justamente na autenticidade e respeito pelas influências que incorporam. O projeto é uma chance de recuperar a aura descontraída e vibrante que foi perdida ao longo dos anos, usando da simplicidade, da originalidade e da energia contagiante dos clássicos que marcaram a era dourada do gênero musical.
A capa do single O Gosto do Amor, por exemplo, evidencia essa tentativa de resgate. Laura Otero, responsável pelo design, comentou sobre essa escolha estética:
A capa é uma homenagem a pureza do pagode dos anos 90, algo que foi perdido na seriedade dos dias de hoje.
Com a voz de Bernardo Cunha, instrumentos de corda conduzidos por Vitor Brauer, bateria de Pedro Millecco e baixo de Gabriel Otero, foi possível dar à luz a um disco, acima de tudo, honesto. Ao olhar desacostumado, Só As Melhores pode parecer que tangencia o satírico, mas ao longo das nove músicas e 33 minutos de duração, temos certeza da intenção dos músicos e da paixão de cada um pelas influências que permitiram a criação do álbum — e da Lencinho.
Só As Melhores
Lançado no dia 1° de fevereiro, Só As Melhores é um álbum perfeito para o Carnaval — e também para o resto do ano. Misturando
elementos característicos de clássicos do samba e do pagode romântico — os coros de vozes, o protagonismo do cavaquinho e a percussão compassada — com o contrastante uso das guitarras ruidosas e da melancolia presente em algumas letras, confere uma identidade inédita ao grupo.
A inserção de faixas mais festivas e enérgicas junto de outras um tanto mais voltadas ao rock de suas composições originais, também permite que a banda alcance uma sonoridade equilibrada e envolvente ao longo da rápida viagem pelo álbum.
“Esfriou em Queimados” é a canção de abertura. Com ares de música ao vivo e características evidentes do pagode, exerce o papel de preparar o ouvinte para o que está por vir, abrindo passagem para outras criações também vibrantes.
O mesmo se observa em “Pantone”, um enérgico samba rock que parece pensado para shows; “Baladinha”, releitura de uma das faixas mais conhecidas da Tom Gangue; e principalmente na otimista “Tem Que Acreditar”, que traz a pureza e alegria necessárias para aumentar o volume e se deixar levar pelo restante das composições.
Quer saber
A banda do Lencinho vai fazer um samba bem gostoso pra você
Pra te trazer
Tudo de melhor e tudo que você precisa pra acreditar
Pra sonhar
Esse som é o incentivo que faltava hoje pra você
Embalar, deslanchar
Tem que acreditar, tem que acreditar
Mas é em “Como é Possível” que entendemos claramente o porquê de Lencinho se caracterizar como pagode alternativo. A guitarra distorcida entre acordes de cavaquinho é a síntese do rock etéreo com o pagode sofrência.
Já em “O Gosto do Amor”, as guitarras avançam aos poucos e o grupo conduz o lirismo melancólico com coros de voz, acordes de cavaco, pandeiros, surdos e chocalhos. É a base sólida do samba presente, contrastando com a vulnerabilidade dos outros elementos da composição.
Não existe amor,
Não existe perdão,
Não existe artista mais triste que aquele que canta sem ter coração
Independente de ter sido criada de maneira despretensiosa, a Lencinho, querendo ou não, abre espaço para que a música popular brasileira seja mais explorada e valorizada. Quando um público majoritariamente jovem — que acompanha os projetos principais dos artistas integrantes da banda e muitas vezes não se arrisca tanto em sonoridades diferentes do que está acostumado —, entra em contato com um álbum como o Só As Melhores, algo é invocado. A curiosidade incitada, mesmo que mínima, é suficiente para furar a bolha e permitir mais reconhecimento aos gêneros nacionais.
Seja para chorar com O Gosto do Amor, dançar com Esfriou em Queimados ou sentir a nostalgia de Paraíso, há Lencinho para todos os gostos.