MAGDALENE: a obra-prima de FKA twigs
Como a cantora combina diferentes formas de arte em um só projeto
Moda, dança, cinema, poesia, e, claro, música. FKA twigs parece ser a intersecção perfeita entre as mais variadas maneiras de se expressar através da arte. Essa característica é visível desde seu primeiro projeto, o EP1, de 2012, para o qual produziu também uma peça audiovisual para cada uma das canções.
A criatividade e o apoio em aspectos mais conceituais por trás de suas criações a acompanham até hoje. Exemplos disso são o videoclipe de sua canção mais recente, “Perfect Stranger”, dotado de performances de dança e uma direção futurística, assim como seu próximo álbum, o EUSEXUA, que a própria artista define como:
“Um sentimento de transcendência momentânea frequentemente evocado pela música, arte, sexo e unidade. Eusexua pode ser seguido por um estado de felicidade e sentimentos de possibilidades ilimitadas”.
No entanto, acredito que a apoteose da unidade artística que surge de todos os interesses criativos de twigs ainda seja MAGDALENE. Seu segundo disco inaugura uma experimentação doce, que se prolifera pelos mais variados campos da expressão. O que se iniciou com o lançamento do primeiro single “Celophane”, em abril de 2019, e concluiu sua trajetória com a publicação do álbum completo, em novembro do mesmo ano, recebeu uma enorme aclamação crítica e um novo público extasiado pela inventividade da artista.
Experimentos e intensidade
Uma faixa sintética, etérea, sobre a sensação de ter cada parte de sua vida observada por desconhecidos é a peça inicial do disco. “thousand eyes” pode parecer que leva uma temática um pouco batida, já que a falta de privacidade do estrelado é um problema compartilhado pela maioria dos artistas, no entanto, a subjetividade de FKA twigs transforma a canção em uma espécie de prece futurista, oferecendo um gostinho do que está por vir ao decorrer do álbum.
Logo, “home with you” é um relato que já começa crescente, com versos intensos, carregados pela expressão vocal de twigs sobreposta por um fundo eletrônico. Aos poucos, a sonoridade alcança uma diferente gama de estilos — às vezes cedendo a graciosidade do piano, que ganha destaque acompanhando os malabares vocais da artista no refrão, ou se mesclando aos intervalos de caos sintético presentes por toda a faixa. No fim, o que fica é um ótimo sentimento de não saber descrever o que acaba de ser ouvido, mas querer repetir a experiência de novo e de novo.
I, didn't know that you were lonely
If you'd have just told me I'd be home with you
I, didn't know that you were lonely
If you'd have just told me I'd be running down the hills to be with you
Em “sad day”, ainda há essa mesma característica etérea e dramática, ambientada também em um fundo de experimentações com instrumentos eletrônicos. Já “holy terrain”, uma colaboração com o rapper Future, a sonoridade se volta um pouco mais a uma estrutura tradicional de trap ou R&B. Mas ainda, claro, conta com as influências inventivas de twigs muito presentes na produção, em especial na performance vocal de ambos.
Will you still be there for me
Once I'm yours to obtain?
Once my fruits are for taking
And you flow through my veins?
Vale lembrar que o abuso de experimentações e elementos eletrônicos em MAGDALENE não foram uma novidade para quem já acompanhava a artista. Acredito, inclusive, que no disco anterior, o LP1, essa experimentação é muito mais forte. O que diferencia sua sonoridade aqui, no entanto, é a mescla que faz com a ambientação etérea, sacra, vulnerável e, muitas vezes, introspectiva — e que representa muito bem o contexto por trás do álbum.
Escrito em meio ao término de seu relacionamento com o ator Robert Pattinson, o disco carrega muito da inspiração que FKA twigs encontrou na personagem bíblica Maria Madalena durante esse período. Em uma entrevista para a revista Glamcult, ela se aprofunda nesse interesse.
Fiquei muito curiosa sobre a história dela […]. Já falei sobre isso em algumas entrevistas, mas esse aspecto da “virgin whore”, para mim, Maria Madalena representa perfeitamente. Essa a ideia de que uma mulher pode ser pura e inocente, como uma flor fresca e suculenta, mas ao mesmo tempo sedutora, onisciente e tentadora. […] É uma dualidade e, quando criança, não sabia que, como mulher, poderia ser as duas coisas. Agora percebo que posso ser “virgin” e “whore” ao mesmo tempo e ambas as coisas são ótimas.
E seguindo no assunto, a próxima faixa do disco ganha o nome dela, “mary magdalene”. Um relato introspectivo, onde twigs deixa mais explícitas suas intenções de homenagear essa figura tão incompreendida. Aos poucos, a canção que começa suave torna-se, como nesse ponto já estamos acostumados, uma união caótica entre vocais quase sacros e elementos eletrônicos livres.
I'm fever for the fire
True as Mary Magdalene
Creature of desire
Come just a little bit closer to me
Em “fallen alien”, esse último aspecto caótico que comento acima é ainda mais fascinante. A forma com que FKA twigs sabe usar seu alcance vocal de maneira em que deixe transparecer, sob toda cacofonia dos instrumentos, tamanha vulnerabilidade e intensidade sentimental é realmente impressionante, e muito visível aqui.
Igualmente, em “mirrored heart” também temos a performance vocal como o catalizador de toda emoção e intenção da canção. Nessa, que é uma das mais marcantes do disco, twigs segue na narrativa de término de relacionamentos, mas com uma lírica ainda mais vulnerável que as prévias. Aqui, tudo é transparente e cru. É um desabafo, uma maneira de verdadeiramente tirar os sentimentos de si e colocá-los no mundo para, quem sabe, algum dia vê-los apenas na forma da arte que criou.
Did you want me all?
No, not for life
Did you truly see me?
No, not this time
Were you ever sure?
No no no, not with me
A faixa seguinte, “daybed”, continua com essa jornada introspectiva. Na primeira do álbum a ser escrita, FKA twigs tenta reproduzir o sentimento de desânimo que chega com a solidão. Assim como a claustrofobia de não conseguir se levantar da cama, também escutamos frases curtas em uma estrutura claustrofóbica, com pouca variação sonora e narrativa.
E então, finalmente chegamos a última e mais reproduzida faixa do disco. É ousada a decisão de colocar uma canção como “celophane” para finalizar o álbum. Toda a dramaticidade e expressividade da canção, os gritos desamparados de twigs, a sonoridade ao mesmo tempo graciosa e agoniante… nada disso nos convence de que a experiência acabou, seguimos esperando por mais.
And I just want to feel you're there
And I don't want to have to share our love
I try, but I get overwhelmed
When you're gone, I have no one to tell
Mas, de fato, há mais. A faixa carrega consigo uma extensão artística em formato de videoclipe. A expressividade, a intensidade e o caos futurista estão todos ali, na delicadeza de seus movimentos no pole dance e no surrealismo da narrativa da peça visual. É como ela mesma diz:
Não me considero mais dançarina; eu sou uma pessoa em movimento. Isso tem sido tão libertador: ser capaz de combinar toda a inteligência física que desenvolvi ao longo de tantos anos de treinamento em movimento – e isso me faz sentir livre. […] Uma pessoa em movimento pode estar no ar ou em um pole, pode estar com um aparelho – seja uma espada, a relação com seu corpo e a espada, ou um aparelho de artes marciais. Isso muda tudo.
Futuro e projetos seguintes
Embora MAGDALENE tenha sido esse grande marco na carreira de FKA twigs, sua jornada artística não parou por aí. Após o sucesso de seu segundo álbum, a artista continuou a expandir suas fronteiras criativas com o lançamento de CAPRISONGS, em 2022, um disco que mistura sonoridades mais acessíveis e colaborações com uma variedade de artistas, como The Weeknd, Daniel Caesar, Shygirl, etc. Aqui, twigs apresentou uma sonoridade mais leve e um pouco menos inventiva, mas ainda assim navegou por diferentes estilos e referências, mantendo a essência experimental e emotiva que marca seu trabalho.
Agora, com EUSEXUA no horizonte, previsto para ser lançado em 24 de janeiro do próximo ano, seguimos na expectativa de uma nova camada de exploração emocional e sonora. Será que o disco representará outro marco na carreira de FKA twigs? Ou MAGDALENE continuará sendo o ponto chave de sua discografia? Em janeiro prometemos voltar com a resposta.