O álbum “Crimes” é um disco de 2004 da banda The Blood Brothers, lançado durante o início da segunda gestão de George Bush. Isso é um dado importante porque o álbum argumenta um descontentamento com o início do novo milênio e com a direção que o governo norte americano estava tomando na época. Hoje, eu pretendo fazer uma rápida pincelada em duas faixas do álbum, “Celebrator” e “Devastator”, que discursam justamente sobre como a presença do exército americano em solos estrangeiros fomentam calamidades e como isso se relaciona à figura do vigilante – apoiado a uma analogia sobre super-heróis e anti-heróis, hoje tão influentes na cultura pop.
Uma das primeiras linhas da faixa “Celebrator” criam uma imagem de um bolo confeitado com lascas de crânios. Morte nunca fora uma novidade nas letras de The Blood Brothers, porém desta vez eles apontam o dedo a algo muito mais palpável e distante do campo do teórico. Jordan Billie, um dos vocalistas e guitarristas da banda, sempre se apresentou como uma pessoa ativamente política e crente na capacidade de gerar mudança através de esforços de demonstrações políticas, principalmente na arte. Porém, a decisão de compor essas letras contra o complexo militarístico industrial norte americano veio justamente de um momento de desesperança:
“Eu acreditei que a dissidência coletiva de nossa geração causaria uma mudança positiva nas coisas. Quando eu percebi que isto não havia dado em nada, eu me senti em um buraco sem fundo.”
Maior que esta desesperança, somente a necessidade de escrever sobre a mesma. Não é uma ideia desconhecida que o Estados Unidos sempre fora fascinado pelo conceito de vigilantes. Desde o personagem “Zorro” de Johnston McCulley ao filme “O nascimento de uma nação” de D.W. Griffith, a ideia de uma pessoa desconhecida atando nós e trazendo justiça, apesar dela própria ser uma pessoa injustiçada, não é tão distante assim na cultura norte americana. O que não nos faltam são exemplos contemporâneos deste arquétipo – Seja o “Homem Aranha”, seja o “Super Homem”, seja o “Batman”.
Este fascínio tem acompanhado o país em suas decisões político-militares desde sempre e isto não fora diferente durante os anos Bush. The Blood Brothers reconhece esta necessidade compulsiva forasteira e vigilante do Estados Unidos afirmando, em “Celebrator”, a existência de palhaços em roupas de exército (o desconhecido por trás da vigilância), prontos para destruírem suas festas (fazer “o mal necessário”) e rirem de vossos infortúnios para as câmeras (tomarem o sofrimento do próximo como deles mesmos, a única maneira do fim ser justificável). Eles atestam na letra que a única maneira na qual o Estados Unidos enxerga Compaixão é através da Crueldade e que portanto, “todos precisam serem devastados de vez em quando”. Mesmo assim, os Devastadores não são desenhados como monstros desformes, eles “bebem de seus cálices de cristais” enquanto “sorriem cheios de charme, de cultura e de opulência”.
A reação do gabinete de George Bush em relação à capa da edição “Die Bush Krieger” da revista Der Spiegel reflete perfeitamente bem este argumento. Na capa, Bush é desenhado como Rambo e os outros membros de seu gabinete foram desenhados representando outros antiheróis vigilantes. A reação fora tão positiva que a Embaixada Norte Americana da Alemanha encomendou trinta e três cartazes da ilustração para a Casa Branca.
Em um artigo de 2002, os teólogos Robert Jewett e John Shelton Lawrence lembram que no segundo filme da franquia Rambo, o protagonista destrói equipamentos da CIA afim de ir escondido salvar prisioneiros de guerra do Vietnam. E que no terceiro filme, Rambo leva carregamentos de armas aos mujahadeens afegãos em auxilio à uma jihad anti-Soviética. Rambo é incapaz de agir dentro dos limites legais sendo sempre retratado como um personagem que é somente capaz de gerar mudanças “positivas” quando agindo acima da lei e longe dos olhares institucionais. Ou, repetindo as palavras de The Blood Brothers, compaixão é crueldade.
A capacidade da banda em discutir estes temas através de discursos extremamente filosóficos e multifacetados gerou uma reação positiva de público e crítica na época. Porém, conforme os anos foram se passando, The Blood Brothers foram ficando esquecidos. Sem contar que outros álbuns de protestos contra a era Bush, com abordagens mais acessíveis, caíram com mais facilidade no gosto popular – como “American Idiot” da banda Green Day.
Depois deste álbum gravaram somente mais um projeto, desbandando em 2007. A rebeldia e o comprometimento que tinham com suas músicas fazem falta no contemporâneo, e a crença que eles tinham na poesia de suas letras deveriam e devem influenciar compositores até hoje.