O que vivemos no Vale da Arte
Sobre o evento e os artistas que encantaram o fim de tarde do último domingo
No último domingo (21), a segunda edição do Vale da Arte permitiu que uma sintonia de artistas ressoasse pelo espaço do bar Camaleão Cultural. O evento retorna com a promessa de proporcionar um ambiente acolhedor e promissor para bandas locais, pequenas lojas e artistas em ascensão.
Dando cor e criatividade ao espaço, uma variedade de expositores puderam oferecer seus produtos e artes visuais, incluindo desenhos, prints, velas artesanais, artigos de papelaria personalizados e até mesmo um estande de tatuagem.
O lineup musical dessa edição do Vale da Arte trouxe uma variedade de sonoridades que ecoaram até o fim do dia. Abrindo os trabalhos, o duo Sublime Soul trouxe uma refinada apresentação de jazz, R&B e soul. Com a união da guitarra ao saxofone, aqueceram o público e proporcionaram um ótimo começo de evento.
Em seguida, foi a vez do duo de pop e folk Lirar. Apresentando interpretações únicas de músicas já consagradas, transbordaram a casa com sentimento. Fica um destaque também para o som autoral que incluíram no final da setlist.
As composições de Vicenzo e os Jaguaras tomaram conta do espaço. O palco cheio, mas funcional, foi capaz de destacar o talento complementar de cada um dos seis integrantes. Com vocais e instrumental impecável, esbanjaram conexão e intensidade.
Karimbo trouxe consigo, além do inegável talento musical, fãs fiéis e muito carisma. Através dos vocais poderosos e da sedução causada pela consonância entre sintetizadores e cordas, levaram os ouvintes a um lugar completamente novo.
Logo depois, em uma performance fervente, a Mordazes Musgos expôs toda a potência do nu-metal e do rock alternativo. Misturando covers à composições próprias, expeliram identidade e presença sonora ao longo da apresentação.
A delicadeza das músicas autorais de Mariposa Alice, transbordaram para o público, que apaixonadamente juntaram-se próximo ao palco e cantaram suas composições. Letras fortes unem-se à um vocal etéreo e único, conferindo à artista grande originalidade e habilidade poética.
A banda de multiartistas Siricuticos provocou e seduziu o público. A apresentação visceral contou com interpretações de clássicos da MPB e com composições autorais que incorporam uma mistura única de elementos do rap, samba, jazz e funk.
E não poderia ter jeito melhor de fechar a noite do que com a energia da Sucos. O set impecável da DJ trouxe o melhor do pop alternativo e do drum and bass, desde Charli XCX até a clássica experimental da Xuxa, “Bombando Brinque”. Quem ficou até o final, com certeza não se arrependeu.
Para entender melhor a organização e o sentimento por trás do evento, a Repeteco também realizou uma entrevista exclusiva com Disk Mandy, a produtora e co-criadora do Vale da Arte.
EQUIPE REPETECO: Então Mandy, mesmo estando aqui, hoje, como produtora, você também é uma artista independente. Como que é a sensação estar dos dois lados da cena?
DISK MANDY: Eu vejo que são processos completamente diferentes, mas que se encontram em alguns lugares. A história de como eu criei e idealizei o Vale se encontra nos dois caminhos. Eu tinha 17 anos e eu cantava mais no meu quarto e na internet, e eu sabia que assim como eu, existiam muitos artistas que queriam lugares pra cantar e não tinham. E acho que foi isso que me fez querer fazer um festival, fazer um evento. Se não me chamavam para nenhum lugar, então eu ia fazer. Acho que é nesse lugar que o meu eu artista e meu eu produtora se encontram. Eu sei como é estar no palco, mas eu sei como é estar atrás dele. E infelizmente, eu vejo que eu, como produtora, recebo muito mais do que eu como artista, ali no palco. Só que eu gosto muito mais de cantar, de compor, mas não dá pra receber muito por isso. E como produtora, é muito mais contato, muito mais parceria, muito mais tudo.
ER: Você comentou que idealizou o Vale da Arte com 17 anos, como que foi o processo do esboço até a concretização desse projeto?
DM: Como eu falei, quando eu pensei sobre a ideia, eu tinha de 16 para 17 anos, era muito nova, agora tenho 19. Ainda sou nova, mas enfim. Eu fui chamada para tocar num bar e quando eu cheguei lá eram só homens do trap e do rap. Eu era a única menina que cantava R&B e Hip-Hop. E daí eu fiquei deslocada pra caralho e comecei a pensar sobre como tem pessoas e cenas que mais afastam do que atraem. E eu comecei a pensar cara, eu não conheço ninguém aqui de Curitiba, não conheço pessoas que fazem música e eu tenho certeza que tem. Daí eu postei um vídeo de várias fotos com áudio falando ‘E se a gente criasse um festival só de artistas que fossem somente mulheres ou pessoas LGBTQ+?’ porque eu acho que nesse cenário, em específico eu me enquadraria, eu me veria dentro. Só que quando eu postei isso, eu pensei eu sendo a artista que estaria cantando no meio, eu não pensei tipo eu vou ser produtor porque eu nem sabia que existia a palavra produtora cultural. Eu não sabia o que eu estava fazendo, eu só postei aquilo lá. Nesse mesmo negócio, o vídeo começou e aí começou a chegar mais gente. E daí nisso eu conheci. Eu conheci a Helen Furtado, o primeiro evento que eu fiz com ela, ela foi produtora junto comigo. A gente fundou o Vale juntas e foi incrível. Isso começou a me ajudar a cantar em lugares porque eu conheci mais gente. Eu fundei uma banda pra mim porque eu conheci mais gente pra tocar no evento. No primeiro evento, eu, além de ser produtora, também toquei, porque eu tinha a Helen pra estar no backstage junto comigo. Agora, como eu estou produzindo sozinha, não ia me arriscar de estar lá no palco.
ER: Como que você enxerga o Vale a longo prazo? Como é que você espera que ele continue contribuindo para a cena local?
DM: Então, eu pretendo fazer um curso de produção cultural, porque com a primeira edição e agora a segunda, aquilo lá que era uma ideia e depois uma ação, começou a criar nome. Eu não estou só fazendo um evento, estou fazendo um projeto cultural que tem um propósito, um público-alvo e uma mudança na sociedade. E como fazer um projeto cultural que dê certo? Precisa de monetização. E toda essa monetização do vale é complicada porque tem que pagar cachê de artista, tem que alugar o espaço. Tem que ver se os produtos são lucrativos. E dentro disso tudo, qual é o meu próximo objetivo? Entrar em um edital. Porque eu acho que é isso que vai ajudar o Vale a ir para a frente. Só que eu não tenho estudo suficiente para que eu participe de um. Porque eu sei que em edital a gente tem que colocar orçamento para toda uma equipe e a equipe sou eu. E esse orçamento é pra quê? Eles não vão aceitar. E daí eu me fodo. Tenho muitas expectativas. Mas eu sei que tendo um estudo, melhorando o que já é, funciona.
ER: E no geral, como você enxerga a adesão de Curitiba a esses eventos? Acha que ainda pode melhorar ou que está crescendo?
DM: O vale tem como um dos objetivos desestereotipar a comunidade. Então, por mais que a gente tenha de público, de palco, pessoas da comunidade LGBT, e até a paleta de cores que é um arco-íris, não é aquele arco-íris estereotipado. Ou as músicas, a gente tem música pop, mas não é um pop estereotipado. A gente tira o estereótipo para que o público seja mais abrangente, para que a família dos artistas venha ver eles talvez pela primeira vez e para que as pessoas que venham escutar pensem tipo ‘porra, não sabia que era assim’ saca? Porque a gente sabe que muitas pessoas acham que arte de gay é tudo igual. Eu já escutei isso, mas não é. Em Curitiba tem uma banda de três travestis que tocam jazz e eu já escutei muitas vezes que jazz é um ritmo que é elitizado e masculino. Mas não. O Vale quer desestereotipar e democratizar isso. Eu acho que também essa é uma problemática que faz o Vale não ser tão monetizado. Enquanto a cena artística continuar dentro de uma bolinha e achar que é só aquilo lá que tem que consumir arte, a adesão a esses eventos não vai aumentar.
Mais que entretenimento, o Vale da Arte é um reflexo do espírito inclusivo e criativo dentro da cena artística curitibana. Com uma ênfase especial na representatividade de mulheres e artistas LGBTQ+, conseguem quebrar barreiras e amplificar vozes que muitas vezes são marginalizadas — até mesmo dentro da cena independente da cidade. Por trás do evento, há um esforço para criar um ambiente acolhedor e seguro, onde todos possam se sentir representados e valorizados.
- Segunda edição do Vale da Arte -
Músicos: Sublime Soul (@sublimesoul.duo), Lirar (@lirar.duo), Vicenzo e os Jaguaras (@jaguaras.oficial), Karimbo (@karimbo.wav), Mordazes Musgos (@mordazesmusgos), Mariposa Alice (@mariposa.alice), Siricuticos (@siricuticoss) e Sucos (@donasucos).
Expositores: Ébano (@ebanoessentials), Karen (@kapietrart), Zentrophy (@zentrophy.art), Meraki (@meraki.papelaria), Natália Ilustra (@natalia_ilustra), Migorumi (@migorumii), Carol Fogaça (@art.carolksf), Flamme de Lune (@flammedelune) e Toka ateliê (@tokadernos).
Realização: Disk Mandy (@diskmandy).