Os floreios de um príncipe do Egito: conheça Tamino
Música pop e anscestralidade unem-se em melodias poderosas
Entre raízes punk cultivadas na juventude e os discos que ecoavam pela casa de sua mãe, Tamino-Amir Moharam Fouad, ou simplesmente Tamino, parecia destinado à música desde cedo. O talentoso músico belga-egípcio encanta com composições poéticas, unindo melodia e poder em seu som. Sua ascensão tem sido marcada por colaborações com grandes nomes como Colin Greenwood, do Radiohead, que assumiu o baixo de sua banda, e Mitski, com quem compartilhou o palco em shows pela América do Norte. No entanto, a jornada de Tamino começou muito antes, e de maneira profundamente pessoal.
O primeiro discípulo
Tamino, seu nome, é uma homenagem à ópera "A Flauta Mágica" de Wolfgang Amadeus Mozart, mas, na verdade, suas maiores influências estão na família. Muharram Fouad, seu avô e grande inspiração, foi um dos maiores atores e músicos da história do Egito, e presenteou o garoto com seu velho violão, oferecendo um ponto de partida crucial para Tamino, que desde então não parou de tocá-lo.
Lançou seu álbum de estreia, Amir, em 2018, que é, nas palavras do artista, sua “carteira de identidade” na música — uma coleção de 12 faixas meticulosamente compostas que fundem rock alternativo, pop e sonoridades profundamente enraizadas na cultura árabe.


Na intensa fragilidade de sua voz, Tamino presta sincera homenagem à herança egípcia, indo para além de estereótipos com uma abordagem autêntica e introspectiva. Em "Habibi", declara-se a um amor antigo que, mesmo distante, influencia cada aspecto de sua existência — esse amor pode representar uma pessoa, sim, mas parece também simbolizar uma ligação profunda com sua terra natal, evocando memórias perdidas.
Now don’t leave it there, just give it a chance
If only I’d forget you after one last dance
But you’re everywhere, yes you are
In every melody and in every little scar
Yes you are, you are, love
Já na faixa "Persephone", Tamino invoca o nome da deusa grega da agricultura e da vegetação, confessando que está ali apenas para partir o coração de sua amada, assumindo o papel de Hades no mito grego. Em seguida, adentra nas complexas faces do amor e na dor que o acompanha, em uma reflexão profunda sobre a beleza e a tragédia das emoções humanas.
Esses são apenas dois breves exemplos da poesia e da mitologia que Tamino incorpora em sua música, contando histórias não apenas sobre si mesmo, mas também sobre o mundo ao seu redor. No entanto, em faixas como “Tummy” e “Cigar”, demonstra que o faz de forma totalmente natural, quase ingênua. Quando questionado sobre o nome do álbum em entrevista, ofereceu uma visão sincera de como enxerga-se no cenário musical:
“‘Amir’ significa ‘príncipe’. Ou seja, alguém não escolhe ser um príncipe, apenas se nasce assim. E eu sinto o mesmo com a música, no sentido de que eu não faço música como escolha, ela simplesmente é a única coisa que eu consigo fazer. E ‘príncipe’ traz uma noção de pessoa jovem também, que tem muito a aprender, nem é rei ainda… Então tem esse contraste, de ser realeza, majestoso, mas também jovem e sem muita sabedoria ainda.”
Após o álbum ser recebido com encanto e grande curiosidade pela crítica e pelo público, dada a raridade de um músico de origem egípcia alcançar sucesso na Europa, Tamino rapidamente foi comparado a artistas como Jeff Buckley e Thom Yorke, muito pelo seu alcance vocal e intensidade. O cantor também realizou uma série de shows pela Europa, inclusive em colaborações com a orquestra Nagham Zikrayat, composta em grande parte por refugiados sírios e iraquianos, que foram essenciais na produção do álbum.
Após esse período, Tamino dedicou mais quatro anos à produção de seu segundo álbum, Sahar, que foi lançado em 2022. Por meio de produções audiovisuais impressionantes, como os videoclipes de "The First Disciple" e "You Don’t Own Me", demonstrou que havia deixado para trás o jovem de 22 anos que criara Amir, surgindo agora como um músico mais experiente e consciente das infinitas possibilidades que sua música poderia experimentar, de formas muito mais criativas e viscerais.
Embora tenha continuado a explorar contrastes entre instrumentos, como guitarra elétrica, piano, violão e oud (um instrumento de cordas árabe), Tamino adicionou à sua sonoridade um elemento etéreo, em melodias que parecem ter vindo de uma outra época. Ao unir elementos do passado, presente e futuro, e ao explorar tanto cenários urbanos quanto paisagens fantasiosas, o músico parece ter encontrado sua identidade em uma área única entre a crua realidade humana e a poesia romântica.
Wickerman
No entanto, apesar de toda essa aura mística, Tamino não nega o aspecto humano por trás de suas músicas.
“Três anos atrás, tive um sonho no qual descia uma caverna. No seu âmago, Tamino estava sentado com os olhos fechados, ouvindo. Ele podia ouvir música no silêncio. Sem tentar interpretar o significado do sonho, recriamos essas condições como um experimento. Após descermos a caverna, passamos uma semana em completo silêncio em uma cabana na floresta. Ele escreveu músicas, eu filmei. ‘Wickerman’ é o resultado desse sonho.”
Escreve o cineasta Bastiaan Lochs em seu Instagram. Ele é o responsável pela produção do filme Wickerman, que registra parte da criação do álbum Sahar. Sendo parcialmente sobre música, contemplação e processo criativo, aqui encontramos Tamino isolado em uma cabana remota, imerso em letras e melodias.
Nesse cenário de solidão e autoconfronto, o "homem de vime" do título paira como uma presença constante sobre seus ombros, observando-o incessantemente, como um demônio que só poderá ser exorcizado após a conclusão de seu trabalho. Porém, inspirado pela própria dificuldade, Tamino extrai música da natureza, poesia do silêncio e beleza das imperfeições ao seu redor, em uma verdadeira lição de criatividade e paixão.
O filme acaba por ser um mergulho profundamente pessoal no processo criativo de Tamino que, mesmo em silêncio, revela a desafiadora tarefa de traduzir sentimentos em palavras e transformar ideias em melodias. No entanto, apesar dessas dificuldades, o músico mantém sua descontração, paciência e sensibilidade, exibindo devoção impressionante à sua arte.
Canela e girassol
Em árabe, "Sahar" pode ser interpretado como "pouco antes do amanhecer", um momento fugaz em que o dia está livre de distrações. Tamino parece capturar esse sentimento em cada uma de suas músicas, como alguém que, em seu tempo livre, cria música de forma pura e inocente, para expressar-se e saborear cada nota.
O jovem que carrega consigo uma herança tão rica, ao absorver os costumes de sua família, extrai música de seu passado, mesclando-a com suas próprias experiências e influências pessoais. É como se dançasse em um balé entre a tradição e a modernidade, tecendo um enredo que soa tão clássico quanto disruptivo.
Agora resta aguardar o meticuloso processo criativo de Tamino concluir-se e manifestar-se novamente em um novo álbum, single, filme ou videoclipe, pois a partir de uma memória, ele faz de tudo
Que fodaa!! Ficou lindooo