Plumtree: a história da banda que inspirou Scott Pilgrim
Do palco aos quadrinhos, de Halifax a Hollywood
Um grupo de amigos veste seus casacos pesados e caminha pelas ruas molhadas e cobertas de neve do subúrbio de uma cidade canadense. Eles conversam e contam piadas, ansiosos pelo evento de rock que irão assistir naquela mesma noite. Quem estará lá? Quais bandas vão tocar? A música será boa? Isso pouco importa; o que realmente importa é experienciar tudo isso juntos e rir bastante no processo.
Se você já leu ou assistiu algo de Scott Pilgrim, seja os quadrinhos originais dos anos 2000 de Bryan Lee O'Malley, o filme de 2010 dirigido por Edgar Wright ou a animação de 2023 da Netflix, é bem provável que essa cena seja bastante familiar para você. O que você talvez não saiba é que esse cenário específico, que compõe grande parte das histórias do personagem, não surgiu por acaso. Ele vem, sim, de diversas experiências pessoais do autor, mas também é fortemente influenciado por seus gostos pessoais, com o mais notório e marcante sendo o trabalho da banda canadense Plumtree.
Halifax - Nova Scotia
O grupo de indie rock e power pop foi formado em Halifax, capital de Nova Scotia, em 1993, com a dose certa de empolgação e rebeldia. Quatro adolescentes compunham a formação original da Plumtree: as irmãs Carla e Lynette Gillis (guitarra e bateria, respectivamente), Amanda Braden (vocal e guitarra) e Nina Martin (baixo). Posteriormente, a baixista Catriona Sturton juntou-se à banda, completando a formação.
A banda começou suas atividades cedo, bem cedo, com as meninas tendo entre 14 e 16 anos. Já nessa época, o grupo estava compondo músicas que flertavam com heavy metal e se apresentando em festivais escolares, com setlists majoritariamente compostas por covers de Jimi Hendrix e Iron Maiden. Além disso, tocaram em pequenos cafés e bares de Halifax e lançaram seu primeiro álbum, Flutterboard, de forma completamente independente em fitas cassete. No entanto, foi em 1995 que começaram a se estabelecer de verdade, quando gravaram e lançaram seu segundo álbum de estúdio, Mass Teen Fainting.
O disco fez um barulho considerável no Canadá e, apesar de ser um trabalho relativamente simples, conquistou uma base forte de fãs que se identificaram profundamente com as temáticas abordadas pela banda. O tédio da adolescência, a confusão de não saber para onde ir, as relações estranhas da juventude e o prazer de aceitar-se como se é, mesmo que isso seja esquisito — por mais jovens que fossem as meninas do Plumtree, elas já demonstravam uma sensibilidade impressionante ao transformar a realidade ao redor delas em música.
When I woke up in the morning
I was feeling kinda boring
So I had to do something to change it
So I brought my worm collection over to your house
But you weren't interested
Entre os novos fãs do Plumtree estava Bryan Lee O'Malley, o pai de Scott Pilgrim, que revelou em entrevista que as integrantes da banda eram suas "heroínas do ensino médio", em um momento em que o autor ainda nem pensava em criar o personagem.
Predicts the Future
Lançado em 1997, o terceiro álbum de estúdio do grupo, Predicts the Future, foi responsável por catapultar o Plumtree para as paradas de sucesso do Canadá. O álbum não apenas garantiu à banda a capa da revista Exclaim!, como também alcançou o primeiro lugar na parada de rádio universitária nacional, a Earshot.
Foi nesse mesmo disco que o grupo lançou a faixa "Scott Pilgrim" que, ironicamente, se tornaria o maior legado da Plumtree. A música começou a tomar forma em meados de 1996, logo após a entrada da baixista Catriona Sturton na banda. Segundo Sturton, Scott Pilgrim foi a primeira música que as meninas escreveram após sua adição, e também a primeira composição original de baixo que ela criou.
Lynette Gillis, a baterista, contou que o nome da música surgiu devido a confusão frequente entre o nome de duas pessoas conhecidas da banda: Scott Ingram e Philip Pilgrim. Curiosamente, o sobrenome Ingram foi reciclado para um dos ex-namorados do mal de Ramona, Todd, interpretado por Brandon Routh no filme de 2010. A banda achou o nome Scott Pilgrim interessante e decidiu desenvolver a música a partir dessa confusão.
A letra fala de um rapaz que a vocalista "gostou por mil anos", no entanto, ele parece achar insuportável vê-la ou ouvi-la, independentemente do motivo. A música, embora não seja particularmente complexa e ofereça poucas informações sobre o protagonista criado por Bryan Lee O'Malley, foi o suficiente para inspirar o autor. Em entrevista cedida ao Fluxblog em 2010, disse:
Plumtree era minha banda favorita, e eu sempre quis de alguma forma homenageá-la. Então, pensei sobre a música delas e, sabe, quem é esse tal Scott Pilgrim, afinal, e o que o torna tão especial? (…) muitas das ideias malucas que surgiram acabaram se tornando parte da essência do personagem e de sua visão de mundo.
Entretanto, apesar de sua influência marcante em uma das obras mais emblemáticas da cultura pop recente, é no mínimo injusto limitar a Plumtree a isso.
Game Over?
No alvorecer dos anos 2000, as integrantes do Plumtree lançaram This Day Won't Last at All, seu álbum menos aclamado, mas talvez o mais musicalmente maduro e complexo até então. Com instrumentais mais elaborados, assertivos e proeminentes, além de vocais intensos, as letras agora abandonam a inocência divertida e irônica da juventude, dando lugar a dramas mais adultos, de mulheres amadurecendo em um mundo que passava por mudanças radicais.
So, I guess this is it
No more silly games
About nothing
Oh no
More me and you
No entanto, de maneira quase profética, o álbum This Day Won't Last at All foi o último projeto da banda, que se separou em julho de 2000 após realizar um último show em Halifax, sua cidade natal. Mas a jornada das integrantes da Plumtree na música e na arte continuou para além da banda. Hoje, Lynette e Carla Gillis residem em Toronto, onde integram a banda de rock Overnight. Além disso, colaboram também na Bells Clanging, ao lado de Jason Starnes.
Enquanto isso, Amanda segue carreira como romancista iniciante e editora web freelancer, e Catriona Sturton vive em Ottawa, onde leciona harmônica. Por sua vez, Nina Martin é professora de geografia na UNC - Chapel Hill. Em julho de 2010, Catriona uniu-se ao SISTER em um show durante o lançamento do Volume 6 de Scott Pilgrim, apresentando a música homônima.
No fim das contas, Plumtree é um testemunho vibrante de que a arte tem o poder de inspirar e conectar pessoas, independentemente do seu escopo ou contexto. Desde as suas origens modestas até o reconhecimento gerado pela sua associação com os quadrinhos de Bryan Lee O'Malley, a banda demonstra que a autenticidade e a paixão podem transcender qualquer coisa.
O legado deixado por Plumtree é um lembrete cativante de que a verdadeira essência da arte reside na sua capacidade de tocar os corações e as mentes, ecoando além dos limites de uma era específica ou de uma obra em particular.
E como diria Bryan Lee O'Malley: Plumtree forever!