Na última sexta-feira, dia 14 de junho, em Curitiba, o Wonka Bar recebeu as artistas Feralkat e Papisa para realizar apresentações de suas composições.
No texto de hoje, vamos contar um pouco da nossa percepção de como foi a noite assistindo a duas talentosíssimas mulheres fazendo um barulho original e excêntrico, que vem do fundo da alma.
Esta também é uma matéria sobre amizade, já que as duas se acompanham de longa data e se incentivam a continuar na música, criando e encontrando espaços que recebem artistas únicos, ou seja, que não pretendem se igualar ao resto.
Para além do Surrealismo
Natasha Durski, conhecida pelo seu pseudônimo de “Feralkat" é uma artista versátil que já experienciou a arte em diversos desdobramentos, atuando como cantora, compositora, produtora musical, artista audiovisual e multi-instrumentista.
Seu último álbum Corpo no Mundo // Corpo que Habito, lançado em novembro de 2023, nos transmite contrastes musicais para além da vida mundana, mesclando gêneros como post punk e música eletrônica. Ela cria uma atmosfera surrealista com justaposições inesperadas operadas por seus inúmeros pedais que transmitem um dinamismo musical. O álbum chama atenção por seu caráter conceitual ao incorporar os arquétipos de Tarot entre suas faixas, trazendo a simbologia do oculto e saberes mágicos para suas composições.
O show de Feralkat é do início ao fim um convite a deixar de lado os pensamentos sobre o presente e explorar o nosso subconsciente, trazendo à tona sentimentos e emoções que estão ocultos.
Colapso que inunda o mundo
Eu quero lembrar do futuro
Espasmos do corpo que habito
Existo
Eu canto esse canto que é pra não esquecer de mim
Existo
Durante seu show, o palco é montado como se fosse um labirinto de possibilidades de experimentação para a sua banda — a ideia é nos inserir para onde vêm essas criações inusitadas. A atmosfera que Feralkat desenvolve, nos carrega para dentro das criações de David Lynch, que é uma de suas principais inspirações, trazendo o ar onírico, surreal e com visuais abstratos em sua performance. Ela deixa bem claro no palco: “Esse também é um show visual”.
Cada música que inicia te puxa para dentro de um cenário totalmente desenhado por eles — o sintetizador trazendo o caminho, a sua voz angelical nos guiando e as guitarras e efeitos musicais sendo os obstáculos ou estímulos inesperados que encontramos para continuar a navegar no nosso subconsciente. Com a bateria programada, loops de vocal e sample de sintetizadores formam uma base para a química entre os dois músicos ser demonstrada em todo seu potencial, Natasha navega pelo palco para adicionar elementos experimentais, enquanto o Daniel Kaplann acompanha com seus ruídos sonoros multi-instrumentais conforme cada composição.
Vou te encontrar em miragens
Te olho distante
Selvagem
Fecho meus olhos que é pra enxergar
Miragem
Feralkat é uma performance feroz, que não tem a intenção de se equiparar à música tradicional. Ela visa abrir espaço para criações independentes e estimular a originalidade e experimentação ao criar música brasileira. Isso, por si só, desperta a inspiração em mulheres para buscarem a coragem de serem ousadas em qualquer ramo artístico.
Papisa ao mundo
Rita Oliva tem seu pseudônimo inspirado principalmente na Papisa das cartas de Tarot, explorando vários traços da psique humana — aliás, Papisa é conhecida por ter a magia da lua e a profundidade e o perigo do mar. Ela é cantora, compositora, multi-instrumentista e astróloga radicada em São Paulo, além de já ter integrado a banda Cabana Café e a dupla Parati, antes de se intitular como Papisa.
Seu último álbum, Amor Delirio, lançado em abril de 2024, incorpora elementos de música disco, dreampop e psicodelia, que nos faz flutuar como um sonho ao longo de todas as faixas. Ela explora em suas letras a sua retratação de histórias de amor, sua fluidez consegue cativar sentimentos e emoções vividas ao longo de todos os estágios de um romance.
Eu plantei flores no quintal
Amores no verão
Dores virarão roupas no varal
Dores no Varal
Ela nos conta que as gravações do álbum foram feitas numa cabana nas montanhas e regadas a muito ''vinho e tesão'', o que cria esse cenário de mundo das nuvens com muita liberdade e encantamento, brincando com contrastes entre a paixão e o delírio, encanto e desencanto, é possível sentir esse campo de energias mistas sobre as delícias e desafios de amar.
Acordei de um sonho bom
Quis te contar
Cê disse que não queria
Mais saber
Corte
No palco, Papisa traz essa energia catártica e de música calorosa, nos introduz a sua performance com o seu humor ácido: “Imagine que vocês estão num date e estão na segunda taça de vinho”, brinca a cantora. Depois disso, a banda inicia suas músicas com a energia lá em cima e todos os espectadores se soltam sendo contagiados pela vibe dançante. O som funciona com uma fórmula familiar, mas a maestria dos músicos surpreende. As linhas de baixo envolventes casam muito bem com a bateria elegantemente precisa, que torna impossível acompanhar o show sem se movimentar no ritmo da música. As guitarras esparsas e etéreas, ocasionalmente acompanhadas por brilhantes camadas de sintetizador, formam a atmosfera perfeita para acomodar os afinadíssimos vocais da cantora, os quais parecem sair diretamente de um baile dos sonhos.
Tudo em volta me atravessa devagar
Tão distante, deixo o tempo te levar
Fronteira
Ao longo da apresentação, ela nos conta que esse foi o primeiro show de suas novas composições produzidas ao longo da pandemia e fica evidente que o público abraçou essa abertura de Papisa ao mundo. Esse é o início da trajetória de muito sucesso e calor no coração para essa banda que despiu o seu manto para nós.