Afirmar que a trilha sonora tem um papel crucial no desenvolvimento de uma trama cinematográfica é constatar o óbvio. A comprovação empírica da necessidade da música para estabelecer uma atmosfera convincente é vivenciada rotineiramente ao assistirmos a um filme e tentarmos imaginá-lo acontecendo sem sua trilha – o sentido das cenas e, muitas vezes, até mesmo a alma da obra se perderiam por completo.
Em certos casos, os motivos sonoros e musicais tornam-se parte essencial do elo emocional que conecta os fãs ao filme, como é o caso da saga Star Wars, por exemplo, onde o desenvolvimento dos personagens está diretamente ligado à forma como a trilha sonora é apresentada ao espectador. Nessa mesma linha, o filme Rocky, o Lutador, em 1976, apresentaria um uso de trilha que viria a marcar a cultura pop para sempre.
Dirigido por John Avildsen e escrito por Sylvester Stallone – o responsável por dar vida ao protagonista –, o filme narra uma história de superação na qual Rocky, após superar algumas adversidades e intensos treinos, enfrenta, de igual para igual, o pugilista campeão Apollo Creed. Apesar de ter sido aclamado pela crítica e ter rendido um total de 3 Oscars no ano seguinte – sendo esses de melhor edição, melhor filme e melhor diretor – , é inevitável analisar a grandiosidade da obra sem incluir a sua trilha sonora. Bill Conti, o compositor responsável, demonstrou extrema maestria ao encaixar as diversas peças musicais no decorrer do longa, e o destaque principal é a canção “Gonna Fly Now”.
Combinada com a montagem das cenas de treino do personagem, a música evoca, com eficácia, o sentimento de empenho, carisma, foco e superação do personagem, tornando esse momento um dos mais marcantes do filme e colocando não só a narrativa, mas também o público, em sintonia com o último ato.
Após o lançamento do primeiro longa Rocky tornou-se uma franquia e teve diversas sequências. Porém, de certa forma, os roteiros foram se tornando cada vez mais repetitivos na medida em que seguiam a mesma fórmula filme após filme. No entanto, a icônica cena de treinamento, acompanhada sempre de uma música selecionada a dedo, manteve-se constante no decorrer da série e, surpreendentemente, manteve sua eficácia por todos eles. Essa eficiência se dá, em parte, pelo fato da música agir como sintetizadora dos conflitos da narrativa.
Em Rocky III (1982), por exemplo, a clássica “Eye of the Tiger” enfatiza a dificuldade de Rocky de sair de sua zona de conforto e encontrar, novamente, dentro de si a chama que tinha até então nos ringues. Em contrapartida, “Gonna Fly Now”, no mesmo filme, representa a aceitação da perda de uma pessoa importante e o reencontro de um propósito para seguir em frente. Além da eficácia, canções como “Hearts on Fire” – utilizada em Rocky IV (1984) dentro de um contexto de Guerra Fria ao colocar o protagonista frente a frente com um adversário soviético – atuam de forma catártica levando o espectador que, a essa altura do filme já consegue prever o desfecho, a torcer para o protagonista, como se estivesse em uma real luta de boxe.
A trilha sonora da série dificilmente falha em captar e transmitir os sentimentos e conflitos que cercam o protagonista, como, por exemplo, em Rocky Balboa (2006), onde a mesma música “Gonna Fly Now” recebe um novo sentido emocional e nostálgico dentro do contexto daquele enredo específico, onde Rocky, em idade mais avançada, lida com a solidão por estar afastado daqueles que, no passado, foram sua motivação para seguir em frente.
Todo esse trabalho feito com maestria não só tornou Rocky um clássico com identidade única, mas transformou, também, sua trilha sonora em algo atemporal, que até hoje é amplamente replicada em episódios da cultura pop, seja em filmes, séries ou animações. De forma inédita (ou não), Rocky mostrou ao mundo como a música, aliada às telas, também pode marcar uma geração.