Torvelim: Brusque já foi a capital do rock
As visões de Luiz Libardo sobre o punk catarinense
A primeira – e única – vez que vi a Torvelim ao vivo (na casa de shows Ahoy! em Blumenau), eu não pude acreditar na performance da banda.
Claro que eu já tinha ouvido a banda anteriormente, sabia do que se tratava; mas ao vivo a coisa foi bem diferente. Para mim, a performance começou quando ainda estavam subindo no palco, pois é muito difícil não reparar na forma como eles se vestem e como se portam desde antes de começarem a tocar. Depois que o show começou, tive a comprovação de que a Torvelim não é apenas uma banda de post-punk genérica: ela mescla elementos do folk, MPB e rock brasileiro, para dar uma sonoridade única ao seu trabalho.
Depois daquele show, eu não poderia perder a oportunidade de tentar tirar, no mínimo, uma lasca de informação para que pudesse compartilhar com outras pessoas a sensação que tive ao vê-los. E foi isso que fiz: consegui conversar com o vocalista, guitarrista e principal compositor da banda, Luiz Libardo.
A pergunta genérica de um fã curioso
Eu não sei vocês, mas eu não sei o que é um Torvelim e eu tive a curiosidade de saber o significado desse nome e como eles o escolheram para estampar o nome da banda. Logo que eu fiz essa pergunta para o Luiz, ele sacou um livro do Chico Buarque, intitulado Estorvo.
TORVELIM: Na verdade, eu queria que o nome da banda fosse Estorvo, mas no início da formação eu tava com uma ideia muito mais bruta do que se tornou a banda; o projeto para mim ia ser música pesada com Big Muff infinito... Mas aí eu lembrei que gosto muito de voz e violão e acabei abandonando a ideia.
Particularmente falando, para mim não ia ser problema setenta camadas de Big Muff numa música. Mas voltando ao significado do nome, Luiz continua:
TORVELIM: Para mim, o Chico Buarque é o maior letrista que já existiu. Na época que montei a banda, eu tava lendo esse livro, e na primeira página, ele deixa várias palavras estampadas aleatoriamente. No meio desse texto, estava a palavra ‘torvelinho’, que significa redemoinho na água. Eu nem sei se a palavra Torvelim existe, o correto seria ‘torvelinho’ mesmo, mas pra mim o diminutivo não funcionou.
O nome casa muito bem com a estética e a sonoridade da banda. Na verdade, não dá pra imaginar eles com qualquer outro nome.
A surpreendente descoberta da capital do rock
Uma pergunta que sempre gosto de fazer para as bandas que conheço ou que tenho oportunidade de conversar é como a cidade em que eles moram, a vida urbana, as pessoas, a cultura influencia em sua arte/obra. Eu fiz o questionamento para Luiz não esperando nada e ele acabou me entregando tudo, me dando um conhecimento que jamais iria descobrir por conta própria.
TORVELIM: Ótima pergunta, porquê para gente Brusque tem um papel muito importante na nossa formação de banda, porque a cidade nos anos 80 foi considerada a capital do rock no sul, através de um movimento chamado BQ80. O cenário artístico aqui é riquíssimo em musicalidade.
O BQ80 foi um movimento musical ligado ao punk e ao rock que ocorreu na década de 80 na cidade de Brusque, e teve um rápido reconhecimento nacional, o que gerou interesse por parte da imprensa. Muitas bandas conhecidas passaram pela cidade e ela é reconhecida até hoje por todo esse movimento.
TORVELIM: Inclusive, uma das músicas do álbum chamada “A Fuga", pertencia a uma banda do movimento BQ80 chamada Bandeira Federal, que é a de um professor aqui de Brusque chamado Luiz Dechamps. Na época, eles escreveram essa música, porém não existia Spotify, então eles acabaram não gravando; mas eles nos presentearam com essa composição e agora ela é uma música do repertório da Torvelim.
É triste o fato de Brusque ter sido, um dia, uma cidade tão ligada ao rock e a música, mas que hoje não tenha uma casa de shows para dar espaço às bandas. Infelizmente, as coisas acabam se perdendo. Mas não para Torvelim; eles sempre dão um jeito.
Nos pilares do post-punk
O maior problema para certos gêneros é a inovação: saber reciclar, reutilizar do antigo e transformar em algo novo, baseado em todo caldeirão de referências que cada artista tem. Dentro disso, questionei Luiz sobre como inovar a sonoridade, tendo como base um gênero tão consolidado como o post-punk.
TORVELIM: Não sei se sou a melhor pessoa para responder isso. É óbvio que isso ocorre com outras pessoas, mas falando particularmente de mim, tudo que escrevo tende a ser muito parecido e característico. Tem algo dentro das minhas composições que carregam um pouquinho de cada pedaço de referência que eu tenho. A verdade é que o meu estilo favorito é o post-punk, mas não é o que eu mais escuto: gosto muito de songwriter (voz e violão), é o que eu mais escuto (...) eu sei lá, acho que tenho facilidade de pegar qualquer música e vestir de post-punk.
É fácil sentir essa energia. Toda atmosfera do pós punk está ali segurando os pilares da Torvelim; mas há algo a mais.
As pessoas mudam e as dinâmicas também
Inicialmente formada como um power trio, a Torvelim decidiu expandir-se para um quarteto, uma mudança que trouxe novas nuances ao seu som e à dinâmica do grupo.
TORVELIM: No início, o Pedrini (guitarra) e a Ana (baixo) ainda não estavam na banda. Na verdade, não estavam nem na gravação do disco. Nós tínhamos um baixista chamado Joaquim – que é o melhor músico que conheço -, que deixou a banda por mudança de cidade. Eu tinha muito mais vontade de só cantar, ficar com as mãos livres no palco, foi aí que o Pedrini, que já tocava comigo há um tempo, entrou na banda (...) depois que o Joaquim foi embora, recomendaram a Ana para gente. Ficamos nervosos no início, dela se assustou com a gente ou algo do tipo, mas foi conexão imediata e sentimos que ela tem tudo a ver com a banda. Sobre a dinâmica, eu conheço todos eles – com exceção da Ana – há um tempão, então já estávamos habituados um com o outro; musicalmente, a banda funciona muito bem.
A relação da Torvelim com a moda
É inegável que, na banda, são todos muito elegantes, e que a estética do grupo é muito única. A identidade visual que eles carregam é forte e se diferencia das demais bandas que temos hoje. Dentro disso, pedi para o Luiz falar um pouco da relação do grupo com a moda e como isso se conecta com a música deles.
TORVELIM: Eu penso muito sobre isso. Recentemente, tava refletindo que na verdade a minha maior aptidão não é a música, mas é o fato de saber unir elementos estéticos para que eles fiquem agradáveis visualmente; e não falo só sobre vestimentas, mas também incluo as minhas composições nisso, pois eu enxergo as notas como estética. A minha noiva é designer, então eu acabo me influenciando muito por ela, além da minha família que sempre foi ligada à moda.
A identidade visual une-se à sonoridade, fazendo da banda uma experiência exclusiva e inspiradora.
TORVELIM: O Pedrini ama moda, está sempre bem vestido. A Ana também. Menos o Jones. O Jones é anti-moda; mas tá tudo bem: ele é o baterista, é a nossa cota.
Os planos para o álbum
Essa é mais uma daquelas perguntas genéricas. Mas para todo artista se manter, é óbvio que o trabalho tem que estar em circulação e fresco na cabeça de todo mundo. Pensando nisso, perguntei quais são os planos futuros da banda.
TORVELIM: Apesar de Brusque ter uma forte influência do rock, existe um problema geral em Santa Catarina que dificulta turnês, pois o acesso é mais restrito. A gente não sabe nem com quem falar para fazer esse tipo de coisa. Os eventos que a gente faz, os shows que tocamos são sempre organizados 100% por nós mesmos. Nós tínhamos o Brasa Produções, mas agora a líder tá no exterior, o que dificultou mais ainda para gente (...) Além disso, nós temos um clipe para sair nos próximos meses e já pensamos em dar início a gravação de um EP comemorativo; mas nada certo ainda. Com certeza pensamos em tocar em outros lugares, a gente quer muito, inclusive, sair de Santa Catarina. Mas por enquanto, ainda não rolaram convites.
Como complemento – e mais uma curiosidade particular –, perguntei sobre a parceria do grupo com Vitor Brauer na música “A Última Ilusão”.
TORVELIM: Não é bem uma collab, nem um feat. Eu sou um apaixonado por Lupe De Lupe e tinha o esqueleto dessa música guardado. Um dia eu decidi mandar uma mensagem para o Vitor Brauer perguntando se ele tinha interesse em ser o letrista da música e ele me mandou essa que a gente canta hoje. Basicamente, é um arranjo meu junto com uma letra dele. A gente se encontrou uma vez e trocamos uma ideia sobre. Mas o fato de ter uma letra do Vitor Brauer dentro de uma música minha já é inacreditavelmente lindo para mim.
O ano acaba e a Torvelim deixa um álbum com composições incríveis, participações honrosas, uma produção impecável e uma identidade única. A banda segue a sua jornada em busca de reerguer o cenário musical não só de Brusque, mas de Santa Catarina num geral. Apoiados por bandas como sorosoro, de Blumenau, Exclusive Os Cabides, de Florianópolis, e diversos outros artistas, a Torvelim faz parte de uma das várias bandas do cenário catarinense que lutam todos os dias por uma fatiazinha de espaço; não para que fiquem com a fatia, mas para que compartilhem o máximo com todos que precisarem.
Quem sabe, em um fim de tarde de verão, enquanto as árvores dançam ao vento, a Torvelim não apareça na sua cidade para fazer um som?
rock catarinense fera!!!!