"A melancolia é uma velha amiga de Olivia Yells", descreve a biografia da cantora em seu perfil no Spotify. A melancolia é um estado emocional caracterizado por uma profunda sensação de angústia, introspecção e frustração, operando em uma zona abstrata entre a tristeza e a raiva, refletindo um desencanto que é intrínsico as limitações da vida cotidiana.
Dessa mesma forma, Olivia utiliza-se das ferramentas que o rock oferece para descrever uma vasta gama de experiências, canalizando a sua revolta em composições que podem ser tão agressivas quanto intimistas. Nessa dualidade, Olivia encontra a sua voz, traduzindo a intensidade de seus sentimentos em uma mistura de sons que capturam a confusão sensorial da melancolia.
A cantora e compositora curitibana soma milhares de streams nas plataformas digitais, contando com hits como "Waiting Room" e "CLEAN". Com uma carreira marcada por letras sinceras e performances intensas, Olivia conversou com a Repeteco e falou sobre as experiências que moldaram as suas canções, oferecendo um vislumbre de sua visão artística e de seu futuro na música.
Revolta e Guitar Hero
Olivia Yells diz cantar desde que se entende por gente, utilizando a música como uma forma de se expressar e, principalmente, de se entender como mulher em um mundo hostil. Foi nesse cenário que Olivia começou a dar os seus primeiros gritos — ou passos — na música, identificando-se com o rock através de influências que vão de Demi Lovato a Alice in Chains, e de Riot Grrrl a Guitar Hero. Explica:
OLIVIA YELLS: Eu sempre fui mais introvertida e tinha bastante dificuldade para me defender e desabafar, sabe? Por causa disso, comecei a escrever. Em paralelo, acompanhava alguns artistas do pop, como a Demi Lovato, que usava o seu trabalho para se expressar também. Acabei me inspirando nisso, o que me ajudou a sair um pouco do meu casulo.
Acrescenta:
OY: Com o tempo, as minhas letras começaram a se tornar um pouco mais políticas também, porque a vivência da mulher é política, e eu passei a questionar isso. Nessa mesma época eu também comecei a me conectar mais com o feminismo e a refletir sobre a minha própria existência, sabe? E o movimento do Riot Grrrl veio para dar um empurrãozinho em mim e no meu projeto, tanto que nessa mesma época eu lancei a minha primeira música, também como forma de incentivar meninas e mulheres a se expressarem — como o Riot Grrrl fez por mim.
Lançado em 2022, o single “Name” marcou a estreia de Olivia Yells, seguido por “Tired”, que chegou no ano seguinte. Ambas as faixas exploram com acidez e ironia as mentiras que muitas vezes acompanham o que aparenta ser um amor perfeito, revelando a realidade e a crueldade de relacionamentos problemáticos. Esses temas foram revisitados no EP Waiting Room, lançado alguns meses depois, que destaca-se como um dos trabalhos mais impressionantes de Olivia Yells até hoje.
Incluindo faixas como “Good Manners” e “Goodbye Lullaby”, o EP aborda também as inseguranças da cantora, que busca proteger-se emocionalmente, evitando relacionamentos amorosos que não a levam para lugar algum.
“É como se eu tivesse aberto meu coração e deixado todo mundo entrar, vasculhar, ver as várias coisas fora do lugar e mesmo assim isso estar tudo bem por mim — Porque eu tô bem, porque eu quero que você que me ouve saiba que vai ficar tudo bem também. A sala de espera pode ser angustiante, acredite, eu sei bem.”
Escreveu em seu Instagram. Em Waiting Room, Olivia Yells monta um cenário profundamente pessoal, flertando com o rock alternativo e o punk rock com muito estilo e sinceridade. Ao mesmo tempo, incorpora também influências de artistas como PJ Harvey e Queens of the Stone Age, sem perder a essência de suas próprias ideias e personalidade. Sobre a sua relação com o gênero, comenta:
OY: Eu cresci com dois irmãos mais velhos, então além de ouvir os meus CDs da Demi Lovato, que por sinal já flertavam um pouco com o pop rock, eu também ouvia muito rock clássico com eles. E, para falar bem a verdade, uma coisa que mudou a minha vida foi o Guitar Hero [risos], porque os meus irmãos jogavam e, quando eu vi aquilo, fiquei maravilhada e comecei a jogar também. A partir daí eu conheci muitas músicas de rock, grunge e tal. Além disso, aqui em casa a gente tinha a guitarrinha, sabe? Então, de certa forma, foi uma iniciação nisso tudo para mim.
Sons e sessões
Graças ao seu trabalho constante e à sonoridade cativante, Olivia Yells ganhou considerável notoriedade após o lançamento de Waiting Room. Desde então, a cantora vem realizando diversos shows, tanto em Curitiba quanto em outras cidades — e até mesmo fora do país. Em algumas de suas apresentações recentes, Olivia contou com a participação de bandas reconhecidas do underground, como Patada, Ectoplasmas e Favourite Dealer.
Suas apresentações são marcadas pela descontração, improvisação e uma presença de palco hipnotizante. Em 2023, Olivia foi a quarta convidada do projeto Arena Sounds, uma live session produzida diretamente da Ligga Arena do Athletico Paranaense, em Curitiba. Durante o evento, ela performou o seu EP Waiting Room em um colorido espetáculo realizado no coração do estádio. Já no início de 2024, a cantora realizou dois shows em Londres, colaborando com outros artistas em apresentações que foram uma prova sonora do potencial, alcance e força de seu trabalho.
No entanto, esses são apenas alguns dos momentos marcantes recentes de sua jovem carreira. Conta:
OY: Três momentos em especial foram muito marcantes para mim. O primeiro foi em julho do ano passado, quando abri o show da The Mö̈nic, uma banda que me inspirou muito lá em 2019. Elas são formadas majoritariamente por mulheres, com letras mais radicais e uma sonoridade mais agressiva. Foi uma oportunidade incrível. Nesse mesmo mês, gravei o Arena Sounds, que nem preciso dizer que foi do caralho. E o terceiro ponto foi ter tido o privilégio de ir para a Inglaterra no início deste ano. Isso foi ouro, e ainda vendi um CD lá, o que para mim era impensável. Muito foda.
Discos e futuro
Entre 2023 e 2024, Olivia Yells lançou dois singles, "THEORY OF ENDS" e CLEAN, ambos acompanhados por videoclipes no lançamento. Essas faixas mantêm o estilo pesado e enérgico característico do rock da artista, mas também revelam uma faceta mais madura e independente da mesma. As letras exploram temas como o sentimento de não pertencer, a luta interna para aceitar a verdade e a necessidade de seguir em frente para preservar a própria sanidade. Diante da dificuldade de se desprender de algo não planejado, mas intensamente vivido, as músicas refletem a necessidade de seguir em frente.
E, na verdade, Olivia Yells está definitivamente olhando para frente. Mesmo equilibrando os vários aspectos de sua vida, ela tem grandes planos para o que está por vir. Comenta:
OY: Nesse próximo mês vou lançar uma nova música, que provavelmente também vai ganhar um clipe. Mas, além disso, o meu plano primordial ainda é lançar o meu primeiro álbum, mas esse é um processo muito demorado e caro também, então não posso prometer uma data, apesar de confirmar que estou trabalhando nisso. Por causa disso, aliás, vou ter que dar uma reduzida no número de shows para poder produzir o álbum direitinho. Mas vai valer a pena!
A discografia de Olivia Yells é um retrato pintado com pinceladas agressivas, porém muito precisas, de uma geração de artistas independentes que usam a música, antes de qualquer coisa, para se conectar com os outros. Essa conexão não é apenas um meio de expressão, mas também uma forma de inspiração mútua, capaz de gerar identificação com mais pessoas do que você imagina.
Com a sua voz potente e letras introspectivas, que misturam frieza e calor, Olivia cria um espaço onde ela e seu público podem se sentir verdadeiramente compreendidos — pois para aqueles com um grito preso na garganta, sua música oferece o remédio perfeito.