Não Existe Lanche em Torvelim: uma reunião interestadual em Curitiba
Uma crônica sobre música, tarefas acadêmicas e o frio curitibano
Falar de shows não é novidade para nós, caímos muitas vezes no ostracismo de falar sobre as apresentações de uma mesma maneira, seguindo quase que um roteiro, então para ilustrar a noite do último dia 29, resolvi escrever uma crônica do meu dia.
Era uma quinta-feira, até então a mais fria do ano na capital paranaense, em que logo de manhã já tive que sair antes das 7 de casa, num caminho lacrimejante até o terminal de ônibus para ir a caminho da minha aula. 7:30 da manhã eu estava na reitoria da UFPR, em sala, congelado. No intervalo, ajudei minha namorada a montar zines pra apresentação dela no dia seguinte. No pequeno intervalo de almoço, passei no Restaurante Universitário comer um bom estrogonofe em temperaturas perto de zero, e fui esperar minha segunda aula do dia começar, de 13:30 até 17:00, quase 10 horas na universidade estudando, cheguei em casa exausto, mas algo diferente me motivava.
Saí menos de uma hora após chegar em casa, passei no Shopping Estação jantar com queridos amigos que iriam me acompanhar nessa jornada. Chegamos então ao tradicional Basement Cultural, lugar que, caso você não conheça, já leu em algum texto da Repeteco. Três bandas seriam as responsáveis por esquentar aquele dia 29: Não Existe Saudade em Inglês, Pedro Lanches e Torvelim, cada uma de um estado diferente, num estilo diferente, que se uniam em uma causa, o primeiro show deles em solo curitibano.
Conhecendo os protagonistas da noite
São três bandas então faremos três breves introduções, na ordem das apresentações de quinta-feira passada. Começando com a banda manauara Não Existe Saudade em Inglês, isso mesmo, de Manaus, diretamente para Curitiba para o primeiro show do grupo fora do estado do Amazonas. Formada pelos membros fearpaulo, tomeki, Biô e Leiros, a banda carrega uma tradição de indie rock e mistura com musicalidades que buscam representar o cotidiano e as nuances da vida adulta, parte também da cena de rock triste, de acordo eles mesmos. A banda lançou seu primeiro EP homônimo em 2022, que conta com o maior hit até então, “Meu Sufoco”. Desde então, preparam-se para lançar o primeiro álbum do grupo e já contam com quatro novos singles.
A segunda apresentação da noite parte do Centro-Oeste brasileiro, do querido Pedro Lanches, que tem no seu Spotify a breve descrição: “sadboy do Mato Grosso do Sul”. Seu estilo e sua banda conversam com o rock alternativo que faz uso de uma bateria de alta octanagem e um synth, mostrando suas influências, disponíveis no Spotify, que passam por Smashing Pumpkins, Pink Floyd, Paramore até Aphex Twin. Ele chega em Curitiba após lançamento do primeiro álbum, veio sem maionese, que foi publicado em novembro de 2024, e do primeiro single subsequente, “eu me lembro de tudo”.
Para acabar a noite, um velho conhecido do ávido leitor da Revista Repeteco, Torvelim, diretamente de Brusque, Santa Catarina. Luiz Libardo, Francis Jones e Ruan Pedrini fazem o que eles chamam de post punk adaptado para a juventude e realidade brasileira, música que envolve senso crítico e postura perante o caos que é a vida contemporânea. A banda vem pra Curitiba pela primeira vez na turnê de divulgação do primeiro álbum, Do Meio Pra Baixo, lançado em outubro do ano passado. Mas agora vamos continuar a crônica do dia.
Hora do show!
O relógio batia 20:30 quando cheguei no Basement, pouco a pouco foram chegando os outros membros da Repeteco e nossos amigos que prestigiariam o show conosco. De início não tinha uma mesa de merchs no tradicional lugar, então ficamos ali, conversando encostados na parede que usualmente estaria ocupada. Fomos beber um Xeque Mate enquanto aguardávamos o começo oficial da noite, visto que estava muito frio. Conversei um pouco com Luiz Libardi na parte externa da casa de shows sobre a primeira vez deles em Curitiba e as expectativas para a noite, quando escutei os instrumentos se aquecendo.
A primeira banda a entrar no palco foi a Não Existe Saudade em Inglês, um pouco antes das 21:30, que trouxe o calor manauara para um público acalorado. Foi um show muito animado, que trouxe o melhor da banda e do improviso em imprevistos. O grupo conseguiu trazer seus principais sucessos e motivou os frios curitibanos a entrar no ritmo com “n sei mais”, “Meu Sufoco” e o lançamento “é foda”. Mesmo quem não os conhecia saiu de lá com excelente impressão do quarteto, que ainda nessa turnê passou por Sorocaba e São Paulo.
Após o fim do primeiro show e uma pausa na parte externa para os fumantes, voltamos ao inusitado palco para a segunda apresentação, já com a mesa de merch no seu devido lugar. Pedro Lanches e sua banda começaram seu show um pouco depois das 22:30, e que show. Um estilo de apresentação que mostrou bem demarcadas as influências do álbum de 2024, que tinha synth, tinha rock alternativo, tinha uma bateria marcante e tinha hardcore. Com apenas 10 músicas lançadas no Spotify, o artista de Campo Grande mostrou um de seus coringas em apresentações ao vivo: covers ao seu estilo. O primeiro foi o de “I Wanna Be Adored”, do Stone Roses, o segundo foi de “Weird Fishes/Arpeggi”, do icônico In Rainbows, Radiohead, que abriu o primeiro moshpit da noite. Pedro conseguiu colocar sua própria expressão nas suas versões de músicas de outros artistas, visto que sustentar isso com autenticidade é mais difícil do que parece. Após a sua última música, o público local pediu mais uma, que foi respondido com um favor: mais um mosh, ao som de “BLACKOUT”, do Turnstille.
Mais uma breve pausa e o relógio já marcava 23:40 quando os rockeiros catarinenses de Brusque da Torvelim começaram seus trabalhos. Não poderia fazer jus ao que foi apresentado pois meu relógio biológico pediu ajuda, estava de pé desde as 6:30 da manhã, no que o vocalista da banda chamou atenção para o seu rock triste. Após um cover de “Big Mouth Strikes Again”, do The Smiths, a banda embarcou nas suas canções mais puxadas para o post-punk. Mesmo com o horário já marcando o início do dia seguinte, a composição dos membros no palco, Luiz Libardi de óculos escuros em pleno estabelecimento fechado, o humor com a banda Jovem Dionísio, entre outras interações foram cruciais para manter o público efervescente, um show que quero revisitar num momento futuro e menos cansado.
No geral, um dia de rock nunca é um dia desperdiçado, mas quando saímos de casa e descobrimos bandas e artistas novos, lembramos justamente o apelo do underground, das mídias emergentes que nos possibilitam conhecer um mundo de ideias, expressões, músicas e culturais. Não imaginava que, ao sair de casa no frio de 5° eu conheceria mas tarde três bandas que imediatamente frequentariam minhas playlists futuras.