É impossível ignorar Chappell Roan. A artista de 26 anos tem, merecidamente, ganhado cada vez mais espaço na indústria e nos corações de entusiastas do pop. Através de suas composições queer e estética inspirada por drag queens — com maquiagens teatrais e figurinos maximalistas — Roan se tornou símbolo do retorno à extravagância dentro da música popular. Hoje, a Repeteco explora a artista e os aspectos que a fazem tão interessante.
Como já abordado no texto que fizemos sobre Ethel Cain, é crucial reconhecer quando algo autêntico surge dentro do pop, já que o gênero, infelizmente, acaba tantas vezes sendo consumido pela indústria cultural. No entanto, é injusto reduzi-lo a isso quando temos tantos exemplos de que o pop é, sim, inventivo e genuíno.
A nova popstar
Desde que lançou seu primeiro álbum, The Rise and Fall of a Midwest Princess, em 2023, a artista tem chamado cada vez mais a atenção da mídia, tanto pela atitude quanto pela sonoridade.
No começo de 2024, Roan foi o ato de abertura da primeira parte da turnê GUTS de Olivia Rodrigo, que passou por várias cidades dos Estados Unidos. Mais ou menos no mesmo período, seu Tiny Desk Concert, apresentação organizada pela rádio NPR, viralizou na internet (o vídeo já conta com mais de 4 milhões de visualizações), fazendo com que sua contagem mensal de ouvintes no Spotify aumentasse 500%. Em abril, o sucesso só aumentou com a apresentação que fez no Coachella, um dos maiores festivais do mundo.
Mais recentemente, a artista voltou a atrair olhares com sua performance extravagante da faixa “Good Luck, Babe!” no The Tonight Show, de Jimmy Fallon. O novo single, inclusive, caiu no gosto do público, e marca a primeira vez que a cantora atingiu a parada da Billboard Hot 100.
É inegável que Chappell Roan já é uma popstar. Mas, e antes? Qual foi sua jornada na música até alcançar essas marcas?
De Kayleigh à Chappell
Chappel Roan nasceu sendo Kayleigh Amstutz. A origem do nome artístico é uma homenagem a seu falecido avô, Dennis Chappell, cuja música favorita era “The Strawberry Roan” de Marty Robbins.
A artista vivia em uma pequena cidade do Missouri chamada Willard, com uma população de 6.000 habitantes. Em entrevista ao The Guardian, compartilhou que teve uma infância profundamente conservadora, e que cresceu pensando que “ser gay era ruim e um pecado”.
Roan já tocava piano, mas foi na adolescência que passou a publicar covers de músicas no YouTube. Aos 16 anos, escreveu sua primeira canção original, “Die Young”, e foi descoberta pela Atlantic Records no ano seguinte.
A artista, agora contratada, se mudou para a tão sonhada Los Angeles. Como uma mulher queer que começava a ter as primeiras experiências da maioridade, morar sozinha na cidade californiana foi algo extremamente significativo, tanto pessoal quanto profissionalmente. À Rolling Stone, declarou:
“Senti permissão para ser quem eu quero aqui. Isso mudou tudo.”
Esse sentimento foi transformado na canção “Pink Pony Club”, lançada em 2020 e inspirada na experiência da cantora em um bar gay de Hollywood. Embora a faixa tenha se tornado muito conhecida no verão seguinte, e atue como uma espécie de definidor da estética e sonoridade da artista, não gerou muito lucro na época do lançamento. Por conta disso, Chappel Roan foi demitida da gravadora.
A artista, então, se viu desempregada e incapaz de conseguir um emprego devido à pandemia de Covid-19. A única solução que encontrou foi retornar à casa de seus pais. Mas isso não seria permanente. Roan disse à Paper Magazine que reservou um ano para se organizar e voltar a fazer música, desta vez como artista independente.
“Eu estava tipo, ‘eu tenho que tentar mais um ano’. Se eu odiar Los Angeles e não ganhar dinheiro com música, então vou me mudar para Nashville ou algo assim, ir para a escola, porque obviamente isso não é para mim. Meio que funcionou”
Funcionou muito. A artista voltou à Los Angeles, se juntou ao produtor Daniel Nigro e, em 2022, começou a escrever as canções que se tornariam parte de seu primeiro álbum. Divulgando seu trabalho nas redes sociais, atraiu a atenção do público e de outros artistas. No final do mesmo ano, já havia sido o ato de abertura de grandes shows, como de Fletcher e Olivia Rodrigo.
Agora, estamos testemunhando o desfecho desta história.
Expressão, extravagância e Midwest Princess
Em entrevista à People, Chappell disse:
“Acho que as pessoas só querem ser felizes e refletir, cantar, dançar e se fantasiar, e se sentirem livres. Esse projeto dá às pessoas a oportunidade de se expressarem sem julgamento e liberdade para se descobrirem da mesma forma que sinto que ele me permite descobrir a mim mesma”
Um dos principais aspectos que definem Roan hoje em dia é a sua estética marcante. Sua convivência com a arte drag queen é a principal inspiração para os figurinos dramáticos, maximalistas, cheios de cor e brilho. O cabelo ruivo longo — que às vezes fica escondido por perucas ainda mais chamativas —, as maquiagens teatrais e os acessórios elaborados não a deixam passar despercebida.
E é exatamente essa energia maximalista que sentimos ao escutar o disco de estreia da artista, The Rise and Fall of a Midwest Princess, de 2023. As canções marcam o ápice do encontro da cantora com sua identidade artística e representam toda extravagância que sua persona exala.
Para além da interessantíssima questão estética, o disco soa como uma festa. A produção de Dan Nigro combina com perfeição os sons do disco, do country e do pop dos anos 90 para que Roan crie um discurso sonoro repleto de energia, que invoca sexualidade, liberdade, amor, humor e sinceridade.
Apesar de ser muito conciso e direto na mensagem vibrante que deseja passar, o álbum ainda permite que transitemos por variadas sensações ao escutá-lo na íntegra. Claro, há um destaque para as faixas mais divertidas como a gilry-pop “Femininomenon”, responsável por abrir o álbum; a viciante “HOT TO GO!”; e a eletrizante “Super Graphic Ultra Modern Girl”. Aqui, Roan incorpora o poder de não se levar tão a sério — e demonstra que às vezes é isso que falta em muitas produções que vemos por aí.
Mantendo a energia, temos as igualmente dançantes, mas talvez um pouco menos memoráveis, “Naked In Manhattan”, “After Midnight”, “My Kink Is Karma” e “Guilty Pleasure”. Todas extremamente apropriadas para ouvir no volume máximo, seja no calor de uma festa ou no próprio quarto — qualquer contexto é válido.
“Coffee”, “Picture You”, “Kaleidoscope” e “California” são as responsáveis por equilibrar os sentimentos do álbum e evidenciar um outro lado da artista. Mais emotivas e lentas, também dão destaque aos vocais potentes de Roan.
No entanto, “Pink Pony Club”, “Red Wine Supernova” e “Casual” são as que mais chamam atenção quando escutamos pela primeira vez. As duas primeiras faixas, ao mesmo tempo intensas e dançantes, reúnem o que há de melhor na mistura de referências do pop noventista permeado por todo o álbum.
Já Casual é o suprassumo das composições de Roan. Refletindo com ironia os sentimentos que um relacionamento confuso resultou, a artista mescla raiva e tristeza, criando uma explosão lírica e sonora — ao que grita, lamenta e ironiza a situação que vive.
Knee deep in the passenger seat, and you're eating me out
Is it casual now?
A verdade é que, por trás da persona exagerada, onipotente e ousada criada para os palcos, um dos principais pilares de Chappell Roan ainda é a identificação que causa em quem escuta suas composições. A artista canta a liberdade e a solidão de ser queer, canta a vontade de explorar o mundo e a saudade de voltar para casa, canta sobre autodescobertas, sobre o amor, seja ele correspondido ou não. É muito fácil se enxergar nas letras. É muito fácil perceber que sente ou já sentiu as palavras que ela escreve.
Mas claro, é muito interessante perceber que ainda há espaço para exageros e ousadias dentro do pop, sem precisar de justificativas e conceitos por trás. Chappell é o que é pelo simples fato de ser divertido se expressar dessa maneira. Não é necessário ser profundo, mas sim sincero.
If it’s not bold, if it’s not ruffling feathers, what’s the point?