Recentemente, revisitei o icônico disco Kid A, da banda Radiohead, e fui completamente capturado pelos instrumentais futuristas e vocais frágeis de Thom Yorke. Porém, em meio à atmosfera etérea de faixas como “How to Disappear Completely”, uma questão surgiu em minha mente: o que leva alguém a compor músicas tão profundamente melancólicas? E, mais do que isso, o que nos faz dedicar minutos preciosos do nosso dia para ouvir sons tão carregados de tristeza e introspecção?
Em um mundo acelerado como o de hoje, onde redes sociais e plataformas de streaming competem incessantemente pela atenção do público, oferecendo estímulos rápidos e constantes para fidelizar — e aprisionar — a audiência, há algo intrigante no fato de que muitas pessoas ainda escolhem dedicar momentos de lazer à contemplação de músicas que exploram sentimentos intensos e dolorosos. Em contraste com a eterna busca por prazer instantâneo, essa escolha reflete um desejo por profundidade e identificação, mesmo que isso signifique encarar uma região mais sombria da arte e da experiência humana.
Aqui na Repeteco, somos abertamente grandes apreciadores da música triste, e já exploramos as obras de artistas como Nick Drake, Phoebe Bridgers, Title Fight, Mitski, Jeff Buckley, Ethel Cain, Tamino e muitos outros — músicos de universos completamente diferentes, mas que compartilham da capacidade de transformar melodias sombrias e letras sentimentais em poderosas formas de expressão. Então, motivado por isso, hoje proponho uma reflexão diferente: por que ouvimos músicas tristes?
O abstrato que atormenta
Já ouvi algumas vezes a pergunta irônica: “Por que alguém que está triste ouviria música triste? Para se sentir pior?”. Embora pareça contraditório à primeira vista, ouvir músicas melancólicas é uma prática comum e carregada de significado emocional e psicológico. Essa experiência, longe de apenas intensificar o sofrimento, muitas vezes gera conforto e introspecção. A atração por músicas que evocam tristeza, dor ou nostalgia pode estar ligada a processos internos de validação emocional, à liberação de neuroquímicos que promovem o bem-estar, e até a um esforço de autocompreensão, transformando a melancolia em uma ferramenta de cura e conexão pessoal.
Músicas tristes possuem um poder singular de acessar e traduzir nossas emoções mais profundas, oferecendo uma sensação de validação e acolhimento. Em momentos de dificuldade, essas composições criam um espaço seguro para que possamos processar sentimentos e viver uma catarse emocional. É como se a melodia e a letra nos sussurrassem: "Eu entendo o que você está sentindo". Essa conexão conforta, sim, mas também pode desempenhar um papel terapêutico, sendo especialmente valiosa em períodos de luto, saudade ou introspecção, ajudando-nos a enfrentar momentos ruins com maior compreensão e humanidade.
Particularmente, gosto muito da ideia de que músicas melancólicas, além de promoverem identificação, possuem a capacidade de traduzir o abstrato. Elas colocam em som e letra sentimentos que muitas vezes nos atormentam, mesmo quando não conseguimos compreendê-los plenamente. Em entrevista, Thom Yorke comenta:
"Você sabe que está em apuros quando as pessoas param de ouvir música triste, porque no momento em que elas param de ouvir música triste, elas não querem mais saber. Elas estão se desligando."
Do ponto de vista neuroquímico, um estudo de 2016 aponta que a música triste pode funcionar como uma forma de regulação emocional, oferecendo uma liberação catártica para emoções negativas e se estabelecendo como um mecanismo saudável de enfrentamento. Quando ouvimos músicas melancólicas, ocorre a liberação de prolactina, um hormônio relacionado ao alívio emocional, o que explica o conforto que essas músicas podem proporcionar, mesmo nos momentos de tristeza. Ao invés de intensificar o sofrimento, elas atuam como um bálsamo emocional, tanto para o coração quanto para a mente.
Por outro lado, na musicoterapia existe um conceito conhecido como “Iso Principle”, que explora como a música pode espelhar e transformar estados emocionais. Ao começar com músicas que refletem a tristeza ou a melancolia que sentimos, é possível validar essas emoções e, gradualmente, transitar para um estado mais equilibrado ou esperançoso. Assim, músicas tristes podem servir como uma ponte para dias melhores, ajudando a navegar entre diferentes estágios emocionais.
"É sobre dor, mas é mais sobre alegria — o processo de descobrir a alegria e reconquistar a alegria. Como chorar e dançar em partes iguais."
Ilustrou a cantora e compositora Lorde em entrevista. Em conclusão, ouvir músicas melancólicas pode ser uma poderosa ferramenta de autocompreensão. Essas canções nos convidam a revisitar e refletir sobre as nossas próprias experiências, relembrando pessoas e momentos marcantes do passado e do presente, fazendo da nostalgia algo transformador. Ao nos conectarmos com essas memórias, somos capazes de compreender mais profundamente quem realmente somos e, no final, essas músicas nos ajudam a nos reencontrar em meio às lembranças, fortalecendo o nosso vínculo com a nossa própria história.
Dias de chuva
Em uma indústria tão competitiva e guiada por números como a da música, muitos têm receio de explorar temáticas mais profundas ou contraditórias. Em alguns casos, há tentativas pífias de forjar uma falsa conexão emocional com o público, simulando vulnerabilidade de forma superficial e comercial.
Porém, aos artistas sensíveis e audaciosos que transformam as experiências mais dolorosas da vida em música, existe um lugar especial nos ouvidos daqueles que buscam consolo e compreensão na arte. Esses criadores lideram uma vanguarda singular, onde as canções não são mascaradas por convenções ou superficialidades, mas sim um reflexo cru e belo da condição humana. Suas obras, por vezes delicadas, por vezes brutais, nos convidam a olhar para nossos próprios dilemas com honestidade, reforçando o poder da música como um espelho da alma e um abrigo em dias de chuva.
Estava conversando isso com uma amiga recentemente, muito legal ler um artigo de vocês sobre!! Ficou incrível
É o básico da natureza de quem escuta música. Minha introdução ao mundo musical foi com nx0 e posteriormente virada de cabeça pra baixo com radiohead Music exit (for a film) e jigsaw falling out of place